Por Jessé Rebouças
O instincto de egualdade é o movel e a aspiração que encadeia e dirige todo o drama histórico da humanidade, e esta sublime conquista não será feita sem a lucta constante contra as tyrannias, todos os privilegios, todas as exceções odiosas e injustas que dividem os homens em um pequeno grupo de favoritos e numa immensa turba de infelizes. De todos os privilegios o mais humilhante, o mais pernicioso é a realeza hereditaria e irresponsavel(…) entre a dynastia e a nação a escolha não é difficil[1]. (Grafia original).
Há 130 anos, a 28 dias de fevereiro do ano da graça de 1892, tomara posse, pela segunda vez[2], como governador do Rio Grande do Norte, a partir do voto indireto da Segunda Constituinte potiguar, o médico, republicano e abolicionista Pedro Velho de Albuquerque Maranhão.
Dificilmente, a qualquer do povo, será totalmente desconhecida essa destacada figura que liderou a consolidação da república em nosso Estado, seja pela designação de logradouros públicos conhecidos, como uma praça no bairro de Petrópolis, em Natal; ruas, a exemplo do Município de Mossoró que, em bairros diferentes (Barrocas, Bom Jardim e Santo Antônio), as identificam; ou, por fim, à cidade Pedro Velho, localizada na divisa com o Estado da Paraíba, que recebera esse nome um ano após o óbito do afamado potiguar.
Pedro Velho de Albuquerque Maranhão nasceu em 27 de novembro de 1856, na cidade de Macaíba (RN). Concluiu o curso de medicina em 1880, no Rio de Janeiro, voltando para o RN em seguida, dedicando-se à medicina popular em São José de Mipibu e, posteriormente, também ao magistério.
Portanto, como filho da segunda metade do século XIX, foi o produto da tensão entre o já desfigurado ancien régime e as mutações estruturais na gramática do poder no mundo, mormente pelos ideais plasmados – pelas revoluções liberais – de legalidade, igualdade, fraternidade, separação dos poderes, laicização do Estado, nacionalismo[3], abolicionismo e republicanismo.
Com efeito, teve participação no movimento abolicionista que se agudizou no Estado na década de 80 dos anos 1800, ao lado de João Avelino, Janúncio da Nóbrega e Almino Afonso.
Um parêntese: em 1883, Mossoró, sob a gestão comerciante Romualdo Lopes Galvão, que esteve chefe do Executivo por dois períodos distintos (1883-86; 1892-95), de modo pioneiro no Estado, encetou quatro movimentos que recrudesceram a luta abolicionista entre os potiguares: o primeiro, em 06 de janeiro, com a instalação da sociedade libertadora mossoroense; o segundo, em 10 de junho, com a libertação (alforria) de quarenta dos oitenta e seis escravos registrados em Mossoró, segundos dados da época; o terceiro, em 30 de setembro, com libertação de todos os escravos; por fim, Areia Branca, em comunicação com os abolicionistas de Mossoró, em 10 de outubro, Almino Afonso fundou a “Sociedade Inter servil Os Trabalhadores do Mar”, que tinha por desiderato combater o tráfego de escravos no porto da cidade.
Nada obstante suas contribuições à causa antiescravista, foi na condução da campanha de expansão dos ideais republicanos em nosso Estado, a convite do conterrâneo Tobias do Rego Monteiro, aos 19 dias de agosto de 1888, que dr. Pedro Velho deu o primeiro passo rumo à hegemonia de poder que governaria o RN pelas quase três décadas seguintes, motivo por que viria a se tornar a primeira “raposa-velha” da política potiguar.
Imbuído da tarefa, aceitou-a, fundando o Partido Republicano do Rio grande do Norte a 27 de janeiro do ano seguinte. O evento fora sediado na residência do seu primo, Joao Avelino Pereira de Vasconcelos, localizada à Praça Bom Jesus, na Ribeira, contando com 114 assinaturas.
Em primeiro de julho desse mesmo ano, dr. Pedro concebe o braço escrito do Partido Republicano que fundara no início do ano, o jornal “A República”, impresso no prelo do “Correio de Natal”, de propriedade do político açuense João Carlos Wanderley[4].
Com a proclamação da república no ano seguinte, João Leão Ferreira Souto, delegado do Partido da República na Corte, intercedendo por dr. Pedro Velho, convenceu o Ministro Aristides Lobo da centralidade do republicano na organização do Partido no Estado, ocasião em que resolveu enviar um telegrama à capital do Estado concitando o republicano a assumir o governo e proclamar a república na terra de Lourival Açucena[5].
Dessarte, essa convocatória pelo governo “das espadas” instalado no Palácio do Catete provocou um gesto que vem em socorro da explicação sobre o porquê do domínio político de Pedro Velho, e dos Albuquerque Maranhão por consequência, nas três décadas posteriores: buscou ouvir os conservadores do “Grupo da Botica”[6] e do “Cantão da Gameleira”[7], que foram apeados do poder, bem como os dissidentes liberais do amarismo, grupo de José Bernardo (Bispo do Seridó), todos esses naturais opositores do novo regime, que, num jogo de habilidade, tornou-se a base da vitória da primeira chapa da constituinte. Às 15 horas do dia 17 de novembro de 1889, Pedro Velho fora aclamado presidente do RN.
Porém, esse período se caracterizou como sendo de um cruento ambiente de confronto pelo controle dos aparelhos do Estado recém-formado. Em janeiro de 1890, Hermógenes Tinôco, em artigo publicado na Gazeta de Natal, dá o ponta pé inicial daquele que seria o primeiro grupo de oposição após a proclamação da república, composto, basicamente, por antipedrovelhistas de vários matizes que foram preteridos do processo pós-15 de novembro de 1889. Esse veículo de imprensa passaria a ser a voz da oposição. É de mister frisar que não há espaço para ingenuidades nesse particular, tanto um quanto outro lado, a depender de quem estava ocupando o assento governamental, usava de artifícios “pouco republicanos” para impor suas vontades políticas. Nesse aspecto, a Gazeta de Natal e A República passaram por processos de intimidação, aquela no governo de Silveira Jr., ligado a Pedro Velho; esta pelo governador deodorista Miguel de Castro, que não estava alinhado ao pedrovelhismo.
Mais tarde, os descontentes organizaram o Centro Republicano 15 de Novembro, que atuou nos vácuos de poder e desinformações da época, resultando, num período que vai de novembro de 1889 até 28 fevereiro de 1892, data da posse de Pedro Velho como governador, em onze administrações distintas.
Consciente dessas circunstâncias, dr. Pedro estreitou o alinhamento com o centro do poder político da república e, junto de correligionários – a chamada “tríplice aliança” –, estruturou a máquina do governo para as eleições na primeira constituinte (15 de setembro de 1890), gestando os embriões da “política dos governadores”, espécie de tratativa que costurava as três esferas de governo – Município, Estado e União – num acordo político-hegemônico que deu o tom da Primeira República; a desqualificação dos adversários políticos – no período, acusava-se de “monarquista” os opositores – e o controle dos mecanismos eleitorais – quem detinha o controle das mesas eleitorais fazia as eleições – que, na prática, impossibilitava o revezamento dos partidos.
Desses primeiros anos de instabilidade da república, em que há uma abrupta conformação de velhas forças políticas com os novos tempos, exsurge soberana a primeira grande oligarquia potiguar, os Albuquerque Maranhão, a partir da desenvoltura do seu maior expoente, Pedro Velho, sutil, mas implacável nas rédeas do poder.
Sob sua liderança, ocupou ele próprios os cargos de: primeiro governador do Estado, entre 17 de novembro a 6 de dezembro de 1889; vice-governador entre março e setembro de 1890; governador entre setembro e novembro de 1890; deputado federal (1891-92); governador de 28 de fevereiro de 1892 a março de 1896; deputado federal em 1896; senador da república entre 1897 e 1907, ano do seu falecimento. Seus irmãos também ocuparam postos importantes na república, perfectibilizando a oligarquização do Estado pelos Albuquerque Maranhão: Alberto Frederico de Albuquerque Maranhão foi governador do Rio Grande do Norte de 1900 a 1904, deputado federal de 1904 a 1908, novamente governador de 1908 a 1914 e novamente deputado federal de 1915 a 1929; Augusto Severo de Albuquerque Maranhão, foi deputado federal de 1893 a 1902; e Fabrício Gomes de Albuquerque Maranhão foi presidente da intendência de Canguaretama (RN) de 1893 a 1913 e deputado estadual de 1894 a 1912.
O fim da hegemonia da primeira oligarquia da república se iniciou em 1917, dez anos após a morte do seu grande arquiteto, pelas mãos de um aliado histórico dos Albuquerque Maranhão, Joaquim Chaves, então governador reeleito com apoio de Alberto Maranhão (irmão de Pedro Velho), romper com seus patronos, abrindo-se os poros do poder para novos protagonistas na política estadual.
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Jessé Jerônimo Rebouças é advogado, Procurador do Município de Mossoró e comentarista político nas Rádios FM Costa Branca e Difusora de Mossoró.
[1] Artigo inaugural da 1° edição do Jornal “A REPUBLICA”, de 1° de julho de 1889.
[2] A primeira foi em 17 de novembro de 1889, quando aclamado “presidente” do governo provisório estadual, sendo, portanto, o primeiro dos governadores potiguares. Há uma certa imprecisão histórica sobre as nomenclaturas empregadas no período: uns argumentam que seria propriamente um governo nomeado; outros, como se extrai das atas, seria uma aclamação com contornos de provisoriedade. Estamos inclinados pela segunda hipótese.
[3] O século XIX representa, para literatura brasileira, “o geral desejo de criar uma literatura mais independente” (MACHADO DE ASSIS, J. M. Instinto de Nacionalidade. In: Instinto de Nacionalidade & outros ensaios. Porto Alegre: Editora Mercado Aberto, 1999, p. 01), pelo qual ascende o tema da nação e a valorização romântica da identidade nacional, a exemplo do romance de José de Alencar, O Guarani, publicado em 1857.
[4] Salvo melhor juízo, José Carlos Wanderley ocupou o posto de presidente da Província do RN por um breve período.
[5] Fato interessante é que, um dia antes de ser oficialmente proclamada a república em nosso Estado, os liberais, pela mão de Umbelino Freire de Gouveia Melo e conselhos do ouropretista Amaro Bezerra – que se tornaria opositor figadal de Pedro Velho –, maquinaram um golpe que seria liderado pelo coronel Antônio Basílio Ribeiro Dantas, então administrador da província. Num gesto de grandeza, Ribeiro Dantas recusou. Antônio Ribeiro Dantas foi um político muito influente no Estado, ocupando a presidência da Província por diversas oportunidades. Era natural de São José do Mipibu.
[6] Esse grupo pertencia ao farmacêutico José Gervasio de Amorim Garcia.
[7] Era o outro polo da divisão interna do Partido Conservador, sob a liderança do padre João Manoel de Carvalho.
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