ARTIGO: Vingt-un Rosado, uma geografia brasileira que completa 102 anos

Por Dix-sept Rosado Sobrinho

(Médico pediatra e diretor-executivo da Fundação Vingt-un Rosado).

 

Mossoró-RN, 25 de setembro de 2022.

 

A convite do poeta Caio César Muniz relembro algo do meu pai. Nesta data em que ele faria 102 anos de idade se vivo estivesse.

Vingt-un nasceu em Mossoró-RN. Residiu em Mossoró-RN durante infância e estudos fundamentais e parte da juventude; em Recife-PE onde fez preparatórios para curso superior; em Lavras-MG durante curso superior em engenharia agronômica; em Governador Dix-sept Rosado-RN, zona rural como gerente das minas de gipsita numa empresa familiar criada por seu pai; no Rio de Janeiro quando dirigiu o Instituto Brasileiro do Sal; voltou a residir em Mossoró-RN, para diversas e outras atuantes ações benéficas a sua querida província e que se espargiram para o estado, o país e a outros países do mundo.

Fez viagens de estudos e pesquisas sobre indígenas no Maranhão acompanhado de seu primo Aldo Ivan. Nessa viagem Aldo Ivan de saudosa memória, fingia entender a linguagem dos indígenas e transmitiu a Vingt-un que os índios só permitiriam serem fotografados se ele Vingt-un posasse nu em pelo com eles. Aldo Ivan se divertiu uns momentos com a aflição de Vingt-un e logo desfez a brincadeira. Nas fotos feitas nesta ocasião, Vingt-un aparece devidamente vestido.

Nas viagens de reconhecimento que fez sobre o Rio São Francisco, no seu tempo de Minas Gerais, já revelava a vontade de ver as águas serem repartidas com o seu querido nordeste brasileiro. E, eu imagino, chegaria às lágrimas de emoção se tivesse feito a visita que eu fiz recentemente à Barragem de Oiticica que finalmente trouxeram a riqueza hídrica do São Francisco para os áridos estados nordestinos.

Quando estudante em Lavras, participou de caravana estudantil ao Rio Grande do Sul, de trem. Leitor voraz que era, Vingt-un não aguentava mais a “caninga” de um colega que queria porque queria ler o livro que Vingt-un lia durante a viagem. Para resolver a questão, a solução salomônica. Vingt-un partiu o livro no meio. Continuou lendo o restante do livro, enquanto o colega insistente, lia a parte inicial do livro. Ânimos apaziguados. A primeira e única vez que, eu saiba, que danificou um livro. Mas para atender o desejo de um leitor talvez, também, compulsivo.

É de Lavras que nos vem o relato de que um estudante nordestino marcou época por sua solidariedade aos pobres da cidade. O estudante, por nome Vingt-un, liderou campanha de doação de cobertores e agasalhos para serem doados aos pobres de Lavras que sofriam e poderiam até morrer com o frio do inverno mineiro. A biblioteca do diretório da Escola Superior de Agricultura de Lavras ganhou o nome deste mesmo estudante pelo mérito de ter sido o principal nome na organização desta, de tantas outras país afora, biblioteca. O mesmo estudante quando se dirigia à faculdade, cruzava com as lavadeiras de Lavras que se dirigiam para o rio da cidade. Era quase o mesmo caminho do estudante. E sempre havia uma permuta. O estudante passava a carregar as pesadas trouxas de roupa e as lavadeiras passavam a carregar os leves cadernos do estudante.

Em Lavras namorou com América Brasil Fernandes, minha mãe que tomou o nome de casada de América Fernandes Rosado Maia. Eram muito diferentes. Ele nordestino, de família católica, de boas condições financeiras, estudante, moreno. Ela mineira do sul de Minas, loura, lindos olhos azuis, família evangélica, enfrentando problemas financeiros nesta época, trabalhava para ajudar a família como professora em Lavras.

Em Mossoró, nos idos finais de 1950, organizou em Mossoró, um encontro nacional de geógrafos. Mossoró na época não tinha hotel adequado, auditórios condizentes, mas a sua tenacidade fez com que acontecesse. Umas pessoas foram alojadas em casas de parentes e conhecidos de Vingt-un. Para os outros arranjou colchões no comércio local. Padre Sátiro Cavalcante Dantas cedeu as instalações do Colégio Diocesano Santa Luzia. Ali foram estirados colchões nos estrados disponíveis e outros no chão. Estudiosos e cientistas vieram de todas as partes do país e alguns até do exterior.  Programações teóricas e outras de campo foram desenvolvidas. Estudos pioneiros se fizeram sobre a fauna, a flora, a população nordestina. Aqui em Mossoró! Um desses cientistas, talvez tenha dormido em colchão no chão, Aziz Ab Saber, que veio a ser reconhecido mundialmente como grande geomorfólogo, afirmou muitos anos depois que não se podia falar/estudar os fenômenos da seca (e eu acrescentaria, a fauna e flora, a população) sem passar por Mossoró, sem consultar a Coleção Mossoroense.

Em Campina Grande-PB eu fiz um vestibular para curso superior. Meu pai me acompanhou. Organizou toda logística de hospedagem e transporte. Conferia se eu, antes de sair para as provas, estava com o material (canetas, água e outros) adequado. Checklist diário. Revisava comigo a matéria do dia seguinte. Após ano de exaustivos estudos, eu tinha que todo dia revisar as matérias do dia seguinte. Meu desejo era descer à praça que eu via pela janela cheia de bonitas meninas da minha idade. Para ele haveria tempo adequado para isso. E como eu sou grato por tudo. Ele tinha essa capacidade quase ubíqua de estar perto de quem necessitava. E repetia sempre o ensinamento, em palavras e em ação, de uma primeira-dama americana que perguntada sobre qual era o seu filho preferido respondia, o que mais precisa de mim naquele momento mais difícil de suas vidas.

Quando moramos em Governador Dix-sept Rosado-RN éramos eu e minha irmã Maria Lúcia. Numa casa de fazenda que não tinha energia elétrica ou água encanada. Havia uma vitrola antiga, quebrada, produzia som se movimentássemos o prato do disco, só havia um disco e só “tocava” um lado e a música era Juazeiro do grande Luíz Gonzaga, conquanto mais rápido movimento, mais agudo e apressada a reprodução e menos rápida que o necessário, mais grave e mais lenta. Convivíamos muito bem com trabalhadores da pedreira de gipsita, motoristas de caminhões, tratoristas e ele e minha mãe puderam ensinar e ajudar muitas dessas pessoas que se tornaram grandes amigos.

No Rio de Janeiro, na direção do Instituto Brasileiro do Sal pode sanear as finanças deste órgão, pode construir várias escolas nas regiões produtoras de sal para os filhos de trabalhadores em salinas e um hospital modelar em Mossoró, no bairro Bom Jardim. O mais moderno da cidade que existia na época. Organizado por Máximo Medeiros, potiguar que se notabilizou no estudo médico de radioisótopos. O primeiro diretor foi dr. Clóvis Miranda e o hospital contava com radiografia, laboratório próprio, enfermagem treinada por enfermeiras da Escola carioca Ana Neri. Tinha auditório, biblioteca refrigerada, com várias obras médicas e assinatura de revistas de atualização médica. Na inauguração, Vingt-un Rosado profetizou a existência de uma futura faculdade de medicina em Mossoró. Este hospital, por motivos talvez políticos foi transformado em posto médico do antigo INAMPS (Posto de Atendimento Médico -PAM) e hoje é o maior centro de saúde gerido pela Prefeitura Municipal de Mossoró que tem várias especialidades médicas, tem o nome de Centro Clínico Professor Vingt-un Rosado e o povo o conhece mais como PAM do Bom Jardim.  Ainda durante sua gestão no Instituto Brasileiro do Sal quando recebia presentes, distribuía com os funcionários. Não levava cestas de Natal ou outros presentes para casa. Era distribuído com funcionários do IBS. Ele pode, numa luta estelar, impedir a importação de sal de outros países o que seria a decretação de falência da indústria salineira do Brasil e a perda de seus incontáveis empregos e ganhos para a comunidade.

De volta a Mossoró, muitos fatos e ações aconteceram só vou lembrar dessa vez a criação da Escola Superior de Agricultura de Mossoró que tanta gente formou e ajudou. No aperfeiçoamento das práticas da fruticultura, por exemplo.

Da campanha em que se candidatou a prefeito da cidade e foi derrotado por menos de 100 votos. Nós da família não achamos de todo ruim pois ele empregaria todas as suas forças na consecução das mil obras que compunham seu programa de governo. Quem sabe comprometendo até sua saúde. Não pensem que estou desdenhando as uvas como a raposa da fábula. Ele era muito trabalhador, resistente, resiliente, solidário, fraterno.

São palavras de um filho. Mas mantenho isenção. Posso confirmar isso pois em seu velório e depois de sua morte, ouvi muitas histórias sobre ele que eu não sabia, aliás, ninguém de nós familiares sabíamos.  Histórias que confirmavam a sua grande alma cristã.

Assim, com saudade relembro meu pai. Com a certeza de que suas obras como humanista, como ser cultural, como professor, pai, filho, avô, marido, o seu ser total ficará na vívida lembrança por muitos e muitos séculos. Todo tempo passado e futuro. Parabéns Vingt-un Rosado!

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