ENTREVISTA: Dionízio do Apodi

Dionízio do Apodi iniciou sua trajetória artística no Grupo de Teatro Universitário de Mossoró (GRUTUM), em 1998, onde ficou até 2002, saindo para fundar O Pessoal do Tarará. Com o Tarará dirigiu espetáculos, atuou, circulou pelo Brasil inteiro apresentando e desenvolvendo projetos. Em 2013 foi para São Paulo trabalhar com o seu mestre o ator e diretor Cacá Carvalho, na Casa Laboratório para as Artes do Teatro de São Paulo. Em 2017 voltou para Apodi, onde ficou responsável pelos projetos culturais do município, e ali implementou projetos importantíssimos de fortalecimento da cultura apodiense. Com a pandemia, voltou para Mossoró, e passou a desenvolver ações importantes como o Sarau Alumiar, o Espaço cultural no Meio do Mundo (que permitiu o fortalecimento de trabalhos de diversos artistas e grupos culturais), a Igreja do Avivamento Cultural, dentre outros projetos que está realizando.

 

Depois de um tempo em sua terra natal (Apodi), Dionízio está de volta a Mossoró?

Desde o início da pandemia que nos encontramos aqui. Assim como foi importante voltar e passar três anos em Apodi, onde vivi a minha infância, onde foi construída uma identidade forte, minha com a cultura popular, também é importantíssimo este retorno a Mossoró, onde vivi a maior parte da minha vida e contribuí, sempre, intensamente, na realização de projetos culturais marcantes. Mossoró também é minha casa porque cheguei aqui adolescente e foi aqui que encontrei o teatro, e que ganhei consciência da importância do trabalho que realizo. Então, mesmo sem programar, acho que esses retornos, primeiro Apodi e depois Mossoró, são resultados do que vivi nos anos que passei em São Paulo, trabalhando com Cacá Carvalho, que é um grande mestre, que puxa o tapete, que lhe divide e multiplica. Quando a gente sai de uma experiência dessa a gente precisa de um tempo para processar tudo, porque ela não age em um momento apenas, transforma sua vida. Então esses retornos, acredito, que inconsciente, foi para chegar aos lugares de onde parti, para confrontar o novo Dionízio (da experiência em São Paulo com Cacá) com o velho Dionízio (construído em Apodi e Mossoró). Desse encontro de dionízios surge o que sou agora.

 

O que é a Igreja do Avivamento Cultural com a Chama da Esperança no Meio do Mundo?

É a forma que encontramos nesse momento difícil da história brasileira, potiguar e mossoroense, tanto pela pandemia como pela nossa política, para não aceitarmos a vida como ela é, simplesmente, dura e cruel. “A vida precisa de poesia, e como Paulo Leminski eu também acredito que “vai vir o dia em que tudo que eu diga seja poesia”.  Eu trabalhei muito nos bairros e zona rural de Mossoró, levando apresentações, ministrando oficinas, e quando eu chego na periferia, escuto os relatos dos frutos do trabalho que já fiz, seja com O Pessoal do Tarará, seja de outra maneira que fui lá e fiz alguma coisa, e isso me motiva a continuar acreditando que o caminho para transformar alguma coisa é ir nas bases, o oposto do que fazem os poderosos, que é centralizar as ações, como no caso de Mossoró que tem um corredor que precisa investir milhões para que ele funcione. Aí você vai ali na Baixinha, na Campos Sales, à noite, e vê o povo num corredor cultural que nunca teve esse investimento que a Rio Branco tem, mas que consegue congregar, naturalmente, as pessoas nas calçadas, nos espetinhos, nas esquinas. Fico imaginando investimento nos bairros, como poderia ser tudo diferente. Há uma lacuna que eu já percebia antes da pandemia. As ruas de Mossoró precisam de poesia. Com a pandemia e agora com esse avanço da vacina, deixa mais escancarado. A Igreja do Avivamento Cultural com a Chama da Esperança no Meio do Mundo vem para isso. Para ocupar um espaço que o poder público nunca vai ocupar, porque não interessa a nenhum gestor desse que a gente tem, dar liberdade ao seu povo, botar o povo pra pensar. Então fortalecemos um grupo de pessoas, de artistas, que se identificam com esse trabalho de transformação social, que querem ver alguma coisa mudar, e estamos com essa igreja, que é da cultura, que circula pelos bairros mossoroenses e que vai chegar na zona rural também. E a Igreja não é entretenimento, ela é libertação e transformação, não é evento. Ela leva a música, o teatro, a dança, a poesia, as artes visuais, e leva uma palavra de conscientização. É como se a gente chegasse na porta da fábrica com aquele panfletinho na mão para falar da situação que vivemos e como podemos transformar aquilo.

 

Quem é o Missionário da Cultura? Que mensagens ele traz e para quem?

O Missionário da Cultura surgiu de um trabalho que tenho chamado O Andarilho, onde um missionário narra seu drama pessoal. O trabalho é tão forte que abriu possibilidades para outras experiências, e uma delas resultou nesta energia poderosíssima que é este missionário, que tem como objetivo levar reflexões acerca dos problemas que nos afligem, de uma forma didática, simples, usando os grandes pensadores mas numa “linguagem de dia de semana”, como dizia Guimarães Rosa. As reflexões giram em torno de fazer com que as pessoas possam enxergar o que está por trás dos fatos. Por exemplo: o que motiva ações superficiais, que nada resolvem, mudam ou transformam a vida das pessoas dos bairros de Mossoró, como um papai noel distribuindo presentes, um pula-pula, um touro mecânico? O que fica depois de eventos como esse? Nada. A nossa Igreja quer refletir sobre essas coisas. Não é o fato que nos interessa, mas o que gera o fato, a fonte. Se o nosso povo simples, através de nossa igreja, por onde andarmos, pelos bairros e zona rural, perceber isso, não tenho dúvidas que o Missionário da Cultura cumpre a sua missão, de construir algo através da arte e da cultura, que é algo que fortalecemos na Igreja: a consciência de que na história da civilização, sempre, quem reconstruiu o mundo após as grandes tragédias, foi a cultura. Então esse momento é propício para a Igreja do Avivamento Cultural desempenhar o seu papel, com o Missionário da Cultura e com tantas pessoas talentosas e cheias de desejo de reconstruir a nossa aldeia, através da arte.

 

Tivemos um embate estes dias na Câmara Municipal de Mossoró cobrando emendas para a cultura local. Você esteve à frente. Que avaliação faz deste momento?

Importantíssimo e esclarecedor para o setor cultural. Se com pouco mais de trinta pessoas conseguimos as nossas emendas, por unanimidade, num cenário altamente contrário, imagina se tivéssemos mais cinquenta, mais cem, mais duzentas… mas acontece que as pessoas que foram para a Câmara foram pessoas conscientes e que tinham noção do porquê estavam ali, diferente de alguns momentos de embates, que tivemos, em que se deu muita ênfase à quantidade. Acho que precisamos nos preocupar com a construção política das pessoas de nossa cultura, para evitarmos momentos de sermos usados pelos poderosos, brigando a gente com a gente mesmo. Tem muita gente bacana, de trajetória cheia de luta em Mossoró, que soma muito com as lutas de nossa cultura, mas também tem gente que vem de uma cultura viciada, pulando de governo em governo, fazendo qualquer coisa por cargo, e essa gente não tem mais jeito. Então é necessário renovar, e isso temos ajudado a fazer. Tem uma nova geração chegando, mesmo que pequena em número, mas que chega disposta a lutar. E quando travei, junto com mais alguns companheiros, aquela luta inteira contra os descasos da lei Aldir Blanc, foi pensando em dar um outro referencial para essa turma jovem, porque do contrário, iria repetir o mantra “não tem jeito”, “é assim mesmo”. Pois dizemos que tem jeito sim! E não é assim mesmo não! É possível um momento com mais consciência política por parte dos nossos fazedores e das nossas fazedoras de cultura, não tem outra saída. Se não conscientizarmos o nosso setor vamos correr o risco de continuar vendo puxa-saco de secretário e secretária desrespeitando gente que doa sua vida pela cultura de Mossoró. Então, esse embate na Câmara mostrou o resultado desta articulação que já vem de um tempo, devagar, se fortalecendo em cada passo dado.

 

Os artistas, os fazedores de cultura nunca conseguiram eleger um representante de fato a um cargo eletivo, ficando sempre nas mãos de pessoas alheias às suas causas. Você já pensou em disputar um cargo? Vê algum nome possível a isto?

Não tenho nenhuma disposição para disputar um cargo, nenhuma, porque sei qual é o meu papel, que é debater isso tudo através da minha arte. A minha vida na arte já é uma postura política, que é a posição de alguém que vive do que faz e não tem interesse em fazer concessões. Logicamente pago um preço alto, mas vivo assim, e assim eu vivo. Me preocupo muito com a juventude que vou conhecendo e às vezes precisa fazer concessões, o que impede de se desenvolver no meio artístico. Tem gente que abandona, é obrigado! Mas eu creio que de nosso movimento atual, dentro dessa conjuntura de construção política, temos algumas pessoas jovens que despontam e podem sim nos representar num cargo eletivo. Não vou citar nomes para não colocar a carroça na frente dos bois, porque temos tempo para amadurecermos isso. Eu não. Nas últimas eleições tive oportunidade e convites para disputar mandato em Apodi, e acredito que teria muitas condições de conseguir um lugar. Mas assumir um mandato me colocaria num plano de ter que abdicar por quatro anos do meu ofício que quero bem, que é provocar através de minha arte. Não sei fazer pela metade. Requer entrega, como estão fazendo agora a companheira Marleide Cunha e Pablo Aires, aqui em Mossoró. E essa opção eu não faria. Mas um jovem, uma jovem, ou até um mandato coletivo, acredito que poderemos ter sim, e estamos construindo nesse sentido também.

 

A Lei Aldir Blanc deu um pequeno socorro aos fazedores de cultura do país no ano passado. Este ano, no entanto, tivemos pouco apoio institucional para a arte e cultura. O que esperar para os próximos anos?

Dureza e muita luta! Como sempre! Mas tenho muita esperança, como a própria igreja da gente diz que é (Chama da Esperança no Meio do Mundo), de que essa construção política que estamos propondo, de conscientização, com um grupo de pessoas que tem se fortalecido, possa ser indício de dias melhores. Veja que através dessa luta conseguimos aumentar o Prêmio Fomento para quatrocentos e um mil reais, o que não é muito ainda, pelo tamanho da cultura de Mossoró, mas comparado a toda a história do prêmio, é o maior valor da história. Mas aí ainda tem que o prefeito sancionar, depois lutar para que os editais descentralizem e contemplem a periferia e zona rural, algo difícil diante de uma patota egoísta que só pensa em si, e luta para que os recursos não cheguem em quem mais precisa. Uma coisa é fato: nossos gestores jamais farão algo para a nossa cultura se não for pelo embate de nossa parte. Porque há uma defasagem no entendimento do que é cultura para eles, que só pensam como evento, turismo, geração de emprego e renda, e não lidam com a cultura do ponto de vista simbólico e cidadão, que é a visão mais importante.

 

E o Espaço Meio do Mundo, o que é? A que se pretende?

É um lugar de encontros de quem quer construir nossa aldeia através da arte. O lugar em que juntamos os nossos para desempenharmos os nossos ofícios, que é atuar, cantar, dançar, declamar, contar, lembrar, guardar, tanta coisa. Um lugar na periferia, para tirar o olhar e escancarar a hipocrisia de enxergar cultura apenas nesse Corredor Cultural. A cultura estará onde o povo está, no meio do mundo. Mas além disso tudo é nosso lugar de diálogo e discussão. Semanalmente nos encontramos, também, só pra debater questões que nos afligem. É um espaço que é construído por dezenas de mãos.

 

Temos sentido um rejuvenescimento dos atores culturais em Mossoró. Você tem percebido isto? Como avalia esta chegada de novos nomes?

Em “Estado de aleluia” é como me encontro ao perceber isso. Tem sim, gente nova aparecendo, estamos nos renovando, e principalmente com pessoas com visão crítica das coisas! Eu não me interesso em ter um monte de adolescente e jovem perto, só pra repetir fórmulas velhas e sem preocupação nenhuma com o meio em que vivemos. Isso não me interessa. Prefiro os que se permitem pensar, ver e pensar mais, enxergar, e pensar mais um pouco, sem pressa. Os artistas e as artistas com quem trabalho levam mais tempo para aparecer porque é a última coisa com que me preocupo. A primeira é fazer com que a pessoa veja o mundo com olhos estranhados, como pedia Bertolt Brecht. Depois desse treinamento teremos melhores artistas. O caminho sendo inverso é muito perigoso. Mas em Mossoró tem sim uma nova turma, o que me deixa mais confiante.

 

Algum novo projeto em vista?  

No momento queremos fortalecer a nossa Igreja do Avivamento Cultural com a Chama da Esperança no Meio do Mundo, levando os cultos presenciais para os bairros e zona rural de Mossoró. Mas em março estrearemos um novo projeto que ainda não estamos falando sobre ele, porque ainda estamos trabalhando, mas é na mesma linha de arte pública, preocupada com o bem das pessoas.

 

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