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Uma breve História de Mossoró vista pelas edificações

Por Felipe Dutra

(Graduando em História – UERN – Universidade do Estado do Rio Grande do Norte)

 

O que é necessário, ou quais são os elementos que um objeto ou alguma atividade/prática se torne patrimônio?

De acordo com a historiadora francesa Françoise Choay no seu livro A Alegoria do Patrimônio publicado pela editora Unesp em 2017, define “Patrimônio histórico como um bem destinado ao usufruto de uma comunidade que se ampliou a dimensões planetárias, constituído pela acumulação contínua de uma diversidade de objetos que se congregam por seu passado comum: obras e obras primas das belas artes e das artes aplicadas, trabalhos e produtos de todos os saberes e savoir-faire dos seres humanos”.

A Constituição Federal de 1988, também conceitua o patrimônio, no seu artigo 216:

“Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I – as formas de expressão;

II – os modos de criar, fazer e viver;

III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico”.

Destaco a parte das edificações; Mossoró como outras cidades que estão em constante processo de urbanização tem o seguinte desafio: como preservar sua arquitetura antiga em detrimento do estilo\estética contemporânea?

Devido ao nosso processo exploratório de colonização ter sido a partir de um Estado Cristão Católico, temos como referência os templos religiosos como aqueles que aglutinaram a população inicial, por isso são geralmente as edificações mais antigas.

A Igreja Santa Luzia e o Sagrado Coração de Jesus exemplos de notáveis edificações, nas quais suas torres foram vistas pelo bando de Lampião antes da invasão no dia 13 de junho de 1927; a primeira data de 1772 sua construção e em 1773 já se realizavam batismos e sepultamentos[1]. O segundo santuário, data sua construção de 1907[2]. Atentando as suas características arquitetônicas que contém: primeiramente o formato quadrado das torres sineiras, frontispício tradicional reto, portas e janelas com arcos, cores claras; em suma, uma mescla de Estilo Barroco, Rococó, e talvez um pouco do Maneirismo.

Estas correntes de estilos presente nas artes, pinturas e literatura tiveram seu apogeu em séculos anteriores e que a cidade de Mossoró por meio dessas edificações (as igrejas) tem em sua arquitetura exemplos ao ar livre de patrimônio, para ser apreciado pela população local e de fora. Não basta ser somente antigo, pois esses espaços foram palcos de casamentos, velórios, batismos, procissões, enfim toda uma gama de rituais cristões, que remetem uma memória e identidade coletiva.

“Segundo Jacques Le Goff, a memória é a propriedade de conservar certas informações, propriedade que se refere a um conjunto de funções psíquicas que permite ao indivíduo atualizar impressões ou informações passadas, ou reinterpretadas como passadas. Já identidade podemos compreender como a característica de um indivíduo de se perceber como o mesmo ao longo do tempo.”[3]

Então, se a cidade de Mossoró hoje tem o seu reconhecimento nacionalmente, como ter resistido e expulsado os cangaceiros que por muito tempo assolavam o nordeste do Brasil, a “casa da esquina” entre a Igreja São Vicente e o Palácio da Resistência, é outro exemplo de edificação que na cidade passa a se configurar muito mais que apenas um lugar físico na geografia, é um local de acontecimentos que diferenciam esse casarão de outros da cidade; e isso excita o imaginário das pessoas.

Testemunha de uma guerra, essa edificação continua a resistir e talvez seja isso que faz a população mossoroense ter um sentimento de identidade por meio deste lugar, se em 1927 a população resistiu a invasão, a casa resisti hoje aos efeitos do tempo. Seria trágico o resultado da transformação desse “lugar” para um “não lugar”. Este conceito de “não lugar” remete ao antropólogo Marc Augé que traz a preocupação na perda de significado que os espaços na cidade estão perdendo. É provável existir o interesse de alguns grupos empresariais em derrubar e construir um estabelecimento comercial nesse local, querendo apagar uma parte da História de Mossoró, em face de exploração, lucro e acúmulo de capital.

Por fim, a história de uma sociedade também se encontra em edificações, não se preocupar com a preservação dessas estruturas é apagar uma parte da nossa trajetória, é tirar o direito do cidadão atual e das próximas gerações de conhecer seu passado.

Compartilho agora com vocês algumas fotos encontradas no acervo de arquivos da Biblioteca Municipal, para uma reflexão a respeito das transformações que a cidade vem passando.

[1] https://biblioteca.ibge.gov.br/biblioteca-catalogo.html?id=444500&view=detalhes

[2] http://www.diocesedemossoro.com/2017/06/conheca-o-santuario-do-sagrado-coracao.html

[3] SILVA, Kalina Vanderlei; Dicionário de Conceitos Históricos. 2ª edição; São Paulo, Contexto, 2009.