Artigo: Mossoró e o motim para chamar de seu.

Por Felipe Dutra 

Graduando em História – Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.

O que nos torna Mossoroense? Como aprendemos a história da nossa cidade? Quais interesses em certos fatos pretéritos todo ano ser memorado?

Para começar respondendo essas perguntas, precisamos refletir sobre nossa identidade. A nossa data de nascimento, já traz uma identidade astrológica e um zodíaco (claro, para quem acredita) por exemplo, para quem nasce entre 22 de setembro e 22 de outubro o signo regente da pessoa é Libra; a data traz toda uma gama de características (identidade?) que essas pessoas compartilham entre si “amam diversão e liberdade, apesar de serem muito apegados e um pouco dependentes. O signo de Libra também é conhecido por sua elegância nata e pelo bom gosto apurado. Os librianos são impecáveis em se vestir, decorar e montar combinações de joias, looks e tudo mais que envolva a moda”; e assim segue com os outros signos restantes do horóscopo.

Outra identidade, dessa vez regulada pelo Estado, é o nosso RG (Registro Geral) “ele tem o objetivo de identificar a população garantindo-lhe sua individualidade nos diversos atos da vida em sociedade.” Regularizada no decreto LEI Nº 7.116, DE 29 DE AGOSTO DE 1983, esse documento é prova material de que somos individualmente reconhecidos, documento que precisamos para concurso, emprego, financiamentos, entre outros. Contudo, como pensar agora no coletivo, nos indivíduos dentro de uma sociedade, em que cada um tem suas particularidades e aspectos; como algo pode abarcar um sentimento de identidade? 

“Na verdade, a noção de identidade não é nova nas ciências humanas, já sendo bem conhecida da Psicologia e da Antropologia, mas é uma preocupação recente para os historiadores, desenvolvida principalmente por aqueles que trabalham com a interdisciplinaridade. Esse conceito tem atingido relevância tal para a compreensão do mundo de hoje que alcançou já as salas de aula, o que é visível, por exemplo, na inquietação dos educadores em promover a conscientização sobre a diversidade cultural brasileira: o conhecimento dessa diversidade passa pela definição das identidades étnicas, regionais, entre outras. A noção de identidade tornou-se, assim, um dos conceitos mais importantes de nossa época”.   

Ser mossoroense de acordo com o site da prefeitura é fazer parte de uma “cidade, hoje conhecida nacionalmente pelos seus atrativos culturais e pelos grandes resultados econômicos que tem alcançado ao longo dos últimos anos, é repleta de fatos curiosos que justificam o perfil do povo mossoroense, que consegue crescer nas dificuldades e superar as barreiras, buscando sempre dias melhores. Desde o início demos demonstrações de que somos diferentes, de que conseguimos avançar no tempo”. A definição é genérica, não dá para despertar nenhum orgulho em ser “daqui” com isso, e se tirarmos a palavra mossoroense e colocarmos qualquer outro nome que se refira a um espaço geográfico, vai servir muito bem. É preciso mais.

A história de uma cidade sempre vai estar atrelada aos fatores econômicos, políticos e culturais. Na sua origem Mossoró “nos remete aos índios Monxorós”; na sua formação “o distrito de Mossoró foi criado em 27 de outubro de 1842”; na economia “a fruticultura irrigada, a indústria salineira e a indústria extrativa são alguns dos segmentos econômicos de destaque na cidade. O município é o maior produtor de sal do país, bem como o maior produtor de petróleo em terra. A fruticultura irrigada é voltada, em sua maior parte, para a exportação, com destaque para a produção do melão”. Politicamente “em 2020, Allyson Bezerra (31 anos) da zona rural, foi eleito prefeito de Mossoró, o mais jovem da história do município, com 65.297 votos, 47,5% dos votos válidos”.

Culturalmente a cidade é “considerada a “Capital da Cultura” do Rio Grande do Norte, Mossoró se orgulha da sua história de pioneirismo e bravura e investe em seus talentos locais. Quatro grandes feitos se destacam na trajetória da cidade: a resistência à invasão do Bando de Lampião, a libertação dos escravos cinco anos antes da Lei Áurea, O Motim das Mulheres e o primeiro voto feminino da América Latina”. É a partir de um grande feito na cidade, de acordo com a narrativa oficial do poder público, que iremos discorrer numa tentativa de entender e problematizar o fato histórico do Motim das Mulheres, data  lembrada (30 de agosto/05 de setembro). 

Um Motim “é o movimento desordenado de um grupo de pessoas que se vira/revolta contra a autoridade constituída ou a ordem estabelecida”. Há 148 anos éramos súditos de Pedro II, este que por graça de deus e unanime aclamação dos povos e defensor perpetuo do Brazil foi responsável por promulgar LEI Nº 2.556, DE 26 DE SETEMBRO DE 1874 que estabelecia modos e condições de recrutamento de homens para o exército e armada, a lei trazia em seus dois primeiros artigos: “Art. 1º O recrutamento para o exército e armada será feito: 1º Por engajamento e reengajamento de voluntários; 2º Na deficiência de voluntários, por sorteio dos cidadãos brazileiros alistados anualmente na conformidade da presente Lei”. Não existe ganhadores numa guerra, todos perdem e ir forçado para uma batalha também não é algo que se queira para a vida; “ser soldado no Brasil imperial significava estar sujeito a longos anos de disciplina brutal e arbitrária, trabalhos pesados, privações e riscos de toda sorte. A disciplina militar no Exército e na Armada seguiria sendo regida, até 1874, pelo terrível código do Conde de Lippe, e a punição mais comum era o casúgo das “pranchadas” de espada”. É bom lembrar que a Guerra do Paraguai, episódio trágico na História do Brasil ocorreu entre (1864-1870) sendo a lei divulgada alguns anos após esse conflito.

O nordeste do Brasil passava por mais uma crise social-econômica nesse contexto histórico, “feiras locais, casas comerciais, paróquias, coletorias e até as residências de pessoas influentes dessas localidades (juízes, coletores de rendas, subdelegados e delegados) foram alvos desses revoltosos. A situação entre os do mundo do governo era de preocupação. Na província do Rio Grande do Norte adotaram-se medidas “preventivas”, prepararam-se com a finalidade de conter os agitadores”. Os revoltosos em questão eram pessoas que ficaram conhecidas como “Kebra-quilos” pois novos modelos de pesos e medidas para os produtos que eram comercializados passaram a vigorar, foi dessa época que medidas como com metros e kilo se tornaram oficial. “Medidas sem as quais muita gente hoje não saberia como viver, foram implantadas à custa de muita desavença e conflitos por todo o mundo. Depois de determinadas por comissões científicas no fim do século 18, as unidades demoraram décadas para serem estabelecidas – ainda hoje ingleses custam a render-se às unidades francesas. Aderir a uma unidade alheia significava deixar a própria cultura de lado – e, quando a mudança se tornou obrigatória, queixas eram quase inevitáveis”. Não à toa que ainda hoje encontramos calçados, perfumes, hidrantes com variantes de medidas americanas e europeias. 

Mossoró se encontra nessa encruzilhada por que pessoas estão andando pelo interior saqueando estabelecimentos e homens precisam ser recrutados para o exército (caso não indo voluntariamente, o chamado seria obrigatório) o não comparecimento acarretaria multa de trezentos a seiscentos mil réis; em valores atuais caso o cálculo esteja correto o site ecloniq traz que “o valor aproximado é o seguinte: 1 Real (Réis) – R$ 0,123. 1 Mirréis (Mil Réis) – R$ 123,00. 1 Conto de Réis (Mil mirréis) – R$ 123.000,00”, ou seja, quantias altíssimas. 

“No dia 30 de agosto de 1875, mulheres de Mossoró, lideradas por Ana Rodrigues Braga (Ana Floriano), saíram em passeata pelas ruas da cidade protestando contra a obrigatoriedade do alistamento militar. Utilizando panelas, frigideiras, conchas e colheres de pau, Ana Floriano e as mulheres foram até a Igreja Matriz de Santa Luzia e rasgaram os editais fixados no quadro de avisos. Em seguida, se dirigiram à casa do escrivão do juiz de Paz e tomaram e rasgaram o livro e os papéis relativos ao alistamento”. Os homens precisavam ser recrutados para combater a desordem e a guerra. É singular esse acontecimento histórico na cidade de Mossoró, pelo protagonismo das mulheres, que foram as ruas e não aceitavam pacificamente as imposições governamentais. Não é sobre recrutar para a Guerra do Paraguai como alguns podem acreditar. Pois, o pesquisador João Fernando escreveu sobre a temática, e eu concordo que “acreditamos que a presença das ações de contestação ao recrutamento na província do Rio Grande do Norte são um prolongamento dos protestos encabeçados pelos Quebra-quilos”.

Em suma, que o episódio histórico Motim das Mulheres em Mossoró, possa nos servir de exemplo e estímulo para a mudança na realidade, pois nem sempre os/as representantes eleitos sejam na esfera municipal, estadual ou federal vão estar sem sintonia com a real vontade da população. Que o nome Ana Floriano não fique apenas associado como homenagem a alguma mulher do tempo presente, se enquadrando no tripé (empresária, rica e branca). Que no nosso DNA mossoroense continue presente protestar, ir para rua, e buscar sempre melhorias.

 

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