Como a guerra na Ucrânia pode afetar o preço dos alimentos e combustíveis no Brasil?

Com os recentes ataques bélicos da Rússia ao território da Ucrânia a tensão internacional aumenta, não apenas no cenário político, mas também econômico. Na quinta-feira (24), o preço do barril de petróleo chegou a US$ 103.78. É a primeira vez que o valor passa dos US$ 100 desde 2014.

A tensão também já provocou aumento do preço das principais commodities negociadas na Bolsa de Chicago. O trigo teve a maior valorização de preços. Os contratos com entrega em março de 2022 estavam cotados a US$ 8,76 por bushel, um aumento de 31,75 centavos de dólar em relação ao fechamento anterior. Já os contratos com entrega em maio deste ano eram negociados a US$ 8,84 por bushel, uma alta de 32,75 centavos de dólar.

O pesquisador da área de custos agrícolas do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Universidade de São Paulo, Mauro Osaki, explica que a Rússia é um grande exportador mundial de trigo, ficando atrás apenas do bloco da União Europeia.

“Uma sanção sobre a  Rússia diminuiria essa oferta de trigo. Consequentemente nós teríamos, já registramos hoje, uma disparada no preço do trigo. E a Ucrânia também é a quarta maior exportadora do alimento no mercado mundial. E [por isso] podemos ter esse aumento no preço do trigo.”

Segundo o pesquisador, o Brasil não é mais autossuficiente na produção de trigo, em função do alto custo de produção no mercado interno, além de não sermos tão competitivos quanto a Argentina.

Em relação ao milho, os preços também se elevaram. Os contratos para março fecharam a US$ 6,83, uma alta de 1,33% em relação ao fechamento anterior. Já para maio, o preço ficou em US$ 6,81 por bushel, com alta de 1,3%.

Mauro explica que a Rússia não faz parte dos grandes exportadores de milho, no entanto, a Ucrânia é a quarta maior exportadora do grão no mundo, atrás de Argentina, Brasil e Estados Unidos.

“É um mercado com um estoque baixo no mercado mundial. E quando você trabalha no conflito desses dois países, pode-se ter sanção e uma invasão que inviabiliza a produção. [Por isso] o mercado começa caminhar para um lado mais nervoso nesse primeiro momento, até entendermos até onde vai durar [esse conflito]”, afirma o pesquisador.

 

Fertilizantes

No ano passado, o Brasil importou da Rússia 9,3 milhões de toneladas de fertilizantes para a produção agrícola. Os russos são os principais fornecedores do insumo para os brasileiros.

Segundo o pesquisador do Cepea Mauro Osaki, há muitos anos, o Brasil importa da Rússia tanto matéria prima de base nitrogenada, quanto cloreto de potássio.

“No caso de cloreto de potássio é um pouco mais sensível para o nosso caso, porque nós importamos grande quantidade desse produto. E basicamente quatro países dominam esse mercado: Canadá, Belarus, Rússia e China, que juntos somam quase 80% da produção mundial. E tanto a Belarus quanto a Rússia agora começam a apresentar problemas no fornecimento desse produto para o mercado mundial.”

No caso das matérias primas de base nitrogenada, como ureia, nitrato de amônio e sulfato de amônio, a Rússia também é forte responsável pela exportação desses produtos para o Brasil.

“A recente ida da ministra [Tereza Cristina] para o Irã e outros países da região do Oriente Médio é uma forma de diversificar a fonte fornecedora desse nitrogenado, caso aumente muito a questão dos fertilizantes no caso da Rússia”, afirma o pesquisador.

A produtora agrícola Karina Dameto, do município de Barbosa Ferraz, no Paraná, se preocupa com o aumento do preço dos fertilizantes.

“Já está tendo um aumento. Somente esse ano, em relação aos fertilizantes, comparando com o ano passado, nós tivemos um aumento de uma média de 400%. No ano passado nós pagávamos em um saco de fertilizante R$ 120; esse ano já foi para R$ 300.”

Segundo o pesquisador Mauro Osaki, o aumento expressivo do fertilizante se deu principalmente pela elevação do preço do gás natural na Europa.

“Gás natural é matéria prima para produção de nitrato de amônio. Então como o gás natural subiu, consequentemente transmitiu isso no preço final do adubo; que é o que aconteceu no primeiro semestre de 2021.”

 

Combustíveis

Com a disparada do petróleo, a preocupação é com os preços dos combustíveis ou até mesmo com a possível falta deles. O diretor executivo de Comercialização e Logística da Petrobrás, Cláudio Mastella, afirmou que a companhia está monitorando a crise entre a Rússia e a Ucrânia e que, até o momento, não vê impacto na segurança de atendimento aos clientes no Brasil, que são abastecidos por refinarias nacionais e pela importação de outras áreas do mundo.

Já em relação aos preços, ele observa um impacto de elevação muito forte na volatilidade dos preços no mercado.

O professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, Antônio Jorge Ramalho, avalia que os conflitos entre Rússia e Ucrânia podem criar uma pressão inflacionária no Brasil e em outros países.

“O petróleo já disparou. Não há dúvida de que haverá uma elevação nos preços dos alimentos e dos combustíveis. O preço dos alimentos, o preço da proteína vegetal, da proteína animal – que depende fortemente das rações preparadas -, tudo isso vai impactar na nossa economia, vai criar uma pressão inflacionária, vai provavelmente obrigar os bancos centrais a elevarem ainda mais rapidamente suas taxas de juros. E aquela inflação, que vinha resiliente, ainda muito influenciada pelos gargalos criados pela retomadas das economias no pós-covid, agora sofre um outro choque externo bastante importante.”

 

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Fonte: Brasil 61.

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