No dia 13 de junho de 1927, portanto há 96 anos, o bando do cangaceiro Lampião invadia Mossoró. Os relatos variados ultrapassaram gerações e até hoje ecoam das mais diversas formas e fazem parte da própria identidade de Mossoró.
O memorialista Raimundo Nonato, um dos muitos que relataram em livro a façanha, na introdução do seu livro “Lampião em Mossoró”, lançado em várias edições e esgotadíssimo, relata:
O ataque de Lampião a Mossoró foi dessas proezas inacreditáveis dos cangaceiros, que estarreceram o Governo e alarmaram a opinião pública. Por mais que se vivesse com o espírito em alerta para uma eventual sortida de bandidos, pois eram constantes as notícias de incursões de elementos armados em lugares próximos, dentro das fronteiras de Estados vizinhos, era possibilidade um tanto remota, a ideia de que um grupo de malfeitores tivesse a ousadia de vir atacar uma cidade com o desenvolvimento e com as proporções de Mossoró.
O livro de Nonato faz parte de uma tríade de obras que se dedicam especialmente ao episódio de Mossoró. Os outros dois livros são “A Marcha de Lampião”, de Raul Fernandes, filho do então prefeito Rodolfo Fernandes e “Nas Garras de Lampião”, o diário de Antônio Gurgel, empresário que foi refém de Lampião antes da invasão e que foi organizado pelo memorialista Raimundo Soares de Brito.
Nonato assim relata em sua obra o momento exato do ataque:
Foi um tiroteio formidável, de parte a parte! As feras investiam e procuravam abrir passagem. As trincheiras avançadas resistiam galhardamente. A do Coronel Rodolfo Fernandes e a do Coronel Saboinha, para não nos referirmos já a outras de ação igualmente brilhantes, por terem aquelas sustentado o primeiro ímpeto, desempenhavam-se galhardamente. A trincheira da barragem, sob o comando do Tenente Abdon, abria o fogo. O bando se tinha dividido. Era preciso estar em toda parte, vigilante, ativo, embora corresse perigo a vida, que poderia ser atingida pelo fogo dos nossos próprios amigos. Cangaceiros surgem ao lado da Matriz, nas imediações do Telégrafo Nacional e somem-se! Aí o fogo rompeu pela trincheira desta repartição.
O pesquisador sobre a temática do cangaço Kydelmir Dantas, no entanto, faz algumas ressalvas ao texto de Nonato.
Os cangaceiros não andaram nesse ponto mais central da cidade. Não passaram das trincheiras do Prefeito, da Estrada de Ferro e da Igreja de São Vicente. Só os mais afoitos avançaram pelo lado desta última, aí tombando Colchete e Jararaca, em plena luta.
Antes de invadir Mossoró, o “rei do cangaço” enviara um bilhete ao prefeito Rodolfo Fernandes onde exigia a quantia de quatrocentos contos de réis, ao que fora, rechaçado prontamente pelo governante mossoroense. Confira o teor dos bilhetes abaixo:
“Cap. Virgulino Ferreira Lampião – Cel. Rodolfo: Estado Eu até aqui pretendo é dinheiro. Já foi um aviso ahi para o senhor, se por acauzo resolver mi a mandar me a importância que nós pede Eu envito de entrada ahi. Porém não vindo, esta importância eu entrarei até ahi penso que Adeus querer eu entro e vai aver muito estrago, por isto se vir o dinheiro eu não entro ahi mais mande resposta logo. Cap. Lampeão”.
“Virgolino Lampião: Recebi o seu bilhete e respondo-lhe dizendo que não tenho a importância que pede e nem também o Comércio. O Banco está fechado, tendo os funcionários se retirado daqui. Estamos dispostos acarretar com tudo que o Sr. queira fazer contra nós. A cidade acha-se firmemente inabalável na sua defesa confiando na mesma. Rodolfo Fernandes – Prefeito.”
Antes Rodolfo já havia respondido a mensagem de Antônio Gurgel, então refém do bando, sobre a recusa da quantia e pronto para qualquer embate com o bando:
“Antônio Gurgel: Não é possível satisfazer-lhe a remessa dos quatrocentos contos (400.000$000) pois não tenho e mesmo no comércio é impossível se arranjar tal quantia. Ignora-se onde está refugiado o gerente do Banco, Sr. Jaime Guedes. Estamos dispostos a recebê-los na altura em que eles desejarem. Nossa situação oferece absoluta confiança e inteira segurança. Rodolfo Fernandes.”
Em 2020 este original da carta de Rodolfo a Gurgel foi doado ao Museu Histórico Lauro da Escóssia, em Mossoró, pelo jornalista e escritor sergipano Robério Santos.
Na lista de invasores, relatada por Jararaca enquanto preso, constavam 45 cangaceiros, incluindo Lampião. Sobre “os resistentes”, Lampião em Mossoró, de Nonato, enumera, segundo matéria do Correio do Povo do dia 19 de junho daquele ano:
Na trincheira do Palacete do Cel. Rodolfo Fernandes (hoje Palácio da Resistência, sede da Prefeitura de Mossoró): José Pereira Lima, Francisco Queiroz, Luiz Amâncio, Manoel Duarte, Honório Ferreira, Adrião Duarte, Amaro Silva, Tiburcio Silveira, F. Calixto, Florêncio Neto, J. Conrado, Antônio Monteiro, Antônio Caldas, Manoel Reis, Francisco Ferreira, Joaquim Benedito, Herculano Barbosa, Cícero Pereira, Evaristo Pereira, Manoel Tonel, Raimundo Calixto, Pedro Raimundo, Francisco Pinto, Antônio Pinto, Euclides Aleixo, Sinhô Bento, J. Aarão, Manoel Serra Negra, Júlio Souza, Sebastião Raimundo, João Pedro, Geraldo Dunga, Antônio Alves, Paulino Aarão, Manuel Pereira, Francisco Vidal, Antônio Rolim, S. Jorge, José Grosso, José Ribeiro, João Cajá e Otávio Cavalcanti.
Torre da São Vicente – Léo Teófilo, Manuel Félix e Manuel Alves Souza.
Casa Afonso Freire – Afonso Freire, Lauro Leite, Leônidas Freire, Pedro F. Leite, Francisco Negócio e Abel Chagas Filho.
Ginásio Santa Luzia – José Alves de Oliveira, José Ibiapino, Manuel Morais, Celso Alves, Nestor Leite e Pedro Nonato.
Telégrafo – Mirabeau Melo, encarregado da estação, João Fernandes, Tenente Abdon Nunes, Tenente Antunes, Tenente laurentino Ferreira, Dr. Gilberto Stuart, Dr. José Furtado Castro, Padre Luiz Mota, Cônego Amâncio Ramalho, Mário Vilar, Cornélio Mendes, Júlio Ramalho, Homero Couto, José Gomes e Antônio Araújo.
Torre da Matriz – Antônio Brasil e dois policiais.
Marcelino & C. – Tertuliano Aires, José Matias, Severino de Aquino, Norberto Rego, Basílio Silva, Manuel Ferreira, Antônio e Estevão de tal.
Uma placa com o nome dos “resistentes”, assentada numa pedra ao lado da Igreja de São Vicente, simplesmente “sumiu” há alguns anos, sem que se saiba seu verdadeiro paradeiro até hoje.
Prestes a completar 100 anos, muitas histórias e estórias ainda alimentam o imaginário do ataque de Lampião a Mossoró. Uma matéria sobre o episódio não é possível sem um aprofundamento prolongado, muita leitura e muitas audições.
Controvérsias giram em torno deste capítulo importante da história local, virou livro, filme, série, espetáculo musical, cordel, memorial. Mossoró celebra a data com pompa, alheia a qualquer possível contestação, sobrevive em parte por conta do ataque de 1927, realiza fóruns, palestras, tem instituição representativa nacional dos estudos cangaceiros, muitas histórias ainda virão, e estórias também.
Livros que narram o ataque de lampião a Mossoró são hoje peças raras.
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Fonte: Lampião em Mossoró, Raimundo Nonato; Nas Garras de Lampião, Antonio Gurgel e Raimundo Soares de Brito.