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Opinião com Paulo Linhares

De esperanças perdidas

Por Paulo Afonso Linhares

(Doutor em Direito, advogado, professor universitário aposentado e diretor-presidente da Rádio Difusora de Mossoró).​

Entristecer-se do bem divino, ou “acídia”, um dos sete pecados capitais no contexto da teologia cristã, refere-se à sensação de tristeza e insatisfação com as coisas boas e divinas, como a fé, a esperança e o amor de Deus. É uma espécie de apatia espiritual, em que a pessoa se sente aborrecida e desanimada em relação à sua ligação com o divino, podendo até mesmo se sentir desalentada diante das bênçãos e dons que Deus lhe concede. A acídia, segundo Santo Tomás de Aquino, é uma tristeza particular que leva à apatia, afetando especificamente o desejo de Deus e das coisas divinas.

Padre Antônio Vieira, no impagável “Sermão das Armas de Portugal contra as de Holanda”, proferido na Igreja de Nossa Senhora da Ajuda, na Bahia (hoje Salvador), em 1640, argui, diante do próprio Deus, de sua mais ampla paixão, um vigoroso argumento de que o abandono dos que defendiam a fé cristã nestes trópicos era uma infâmia. E coroava sua veemente invectiva com a afirmação: “Não hei de pedir pedindo, senão protestando e argumentando; pois esta é a licença e liberdade que tem quem não pede favor, senão justiça.”Acídia brilhante parida do espírito desse que foi maior orador sacro de que se tem notícia.

Sem dúvida, essas palavras do grande Vieira, em confronto direto com a divindade, têm um tom de forte acídia, sentimento cada vez mais presente nos corações e mentes das pessoas que, no dia a dia de suas comunidades, nos tempos em que vivemos, lutam e trabalham por uma vida digna, referida a um conjunto de valores sedimentados no devenir civilizatório — ao longo de muitos milênios de evolução — porém entremeado de monumentais retrocessos.

Veja-se, por exemplo, o que enfrentam as evoluídas sociedades em rede, nestes ásperos tempos de agora: apesar da apropriação cada vez mais eficiente dos recursos materiais, propiciada por enormes avanços científicos e tecnológicos, povos e nações experimentam amargos e enormes desafios diante da corrosão de ideais e valores morais que, pensava-se, seriam marcos definitivos e inabaláveis da civilização.

Tomando-se por base o ano de 1945, há exatos 70 anos, a humanidade superava os horrores de um conflito de proporções planetárias — a Segunda Guerra Mundial. Cenários terríveis como os de Hiroshima e Nagasaki, a crueldade do Holocausto, o assassinato coletivo de toda a população da pequena Guernica apenas para testar o poderio da Luftwaffe, a então nova máquina de guerra aérea alemã — somente para colacionar alguns exemplos — compuseram o enorme sorvedouro que tragou mais de 70 milhões de vidas.

Os países vencedores de 1945 impuseram uma nova ordem mundial ancorada no resgate de olvidados valores iluministas, reunidos no tríplice dístico liberdade-igualdade-fraternidade, além da adoção de novos paradigmas, como o direito de todos os povos ao desenvolvimento, à preservação do meio ambiente, do patrimônio histórico, artístico e paisagístico da humanidade, ao direito à paz e à segurança, ao direito à comunicação e à informação, entre outros que passariam a regular inúmeras atividades humanas.

E tudo sob a mediação de organismos multilaterais, como a Organização das Nações Unidas, o Fundo Monetário Internacional, a Organização Mundial do Comércio, a Organização Mundial da Saúde, entre outros, cujas tarefas seriam a concretização do enorme arcabouço jurídico-político erigido a partir de conferências e acordos celebrados pela maioria dos Estados soberanos existentes.

É bem certo que, ao lado desses avanços da humanidade, permaneceram vivas as sementes da discórdia, da ambição, das guerras, da destruição do meio ambiente e do patrimônio comum e, sobretudo, das diversas e cruéis modalidades de desrespeito à condição humana. Assim, poucos anos após 1945, começou o novo tormento da Guerra Fria, marcada pelo terror de um novo conflito planetário com armas atômicas, que impôs uma divisão do mundo entre duas das grandes potências que derrotaram o nazifascismo: os Estados Unidos da América e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

No caudal dessa colossal arenga, explodiram sangrentos conflitos regionais em praticamente todos os continentes, prevaleceram governos autocráticos, houve retomada de regimes de segregação racial e, pasmem, de abjetas práticas de “limpeza étnica”, nada diferentes do que fizeram os nazistas com seus campos de extermínio ou o imperialismo japonês em vasta região da Ásia. Tudo com o tétrico pano de fundo das renovadas formas de violação dos direitos humanos e da soberania de Estados nacionais.

No final deste primeiro quartel do século XXI, verifica-se, com tristeza, que, a despeito dos avanços científicos e tecnológicos, do acelerado desenvolvimento econômico e da maior compreensão acerca das questões cruciais das sociedades e dos povos, o esgarçamento dos ideais e valores retomados ou erigidos depois da Segunda Guerra Mundial, em escala global, é inequívoco.

Acrescente-se a isso, ainda, as recentes vitórias de projetos políticos autocráticos, a exemplo do que ocorre neste momento com os Estados Unidos da América sob o comando do déspota Donald Trump e suas inacreditáveis bizarrices, que vão das perseguições aos imigrantes que vivem naquele país ao ataque brutal às instituições acadêmicas do porte da Harvard University — certamente o mais renomado templo do saber neste mundo globalizado. O presidente norte-americano remeteu correspondências a todos os órgãos da administração federal no sentido de revogar todos os contratos com essa instituição, em valores que superam 100 milhões de dólares anuais. Por absurdo que seja, Trump acusa a Harvard de “conduta pró-terrorismo”. Sem palavras.

Estarrece o mundo, também, neste momento, o genocídio promovido pelo Estado de Israel na Faixa de Gaza, com ameaças à população palestina. Segundo dados divulgados pela rede CNN, “autoridades de saúde palestinas dizem que a campanha terrestre e aérea de Israel em Gaza matou mais de 38 mil pessoas, a maioria civis, e expulsou a maior parte dos 2,3 milhões de habitantes do território de suas casas.” O paradoxo judaico: o povo vítima do Holocausto — um terrível caso de genocídio — presencia a ação genocida do Estado judeu, dominado por extremistas ultraconservadores.

Enfim, por todos os lados, o que se observa é a suplantação dos valores civilizatórios pela barbárie, o que leva à perda da esperança e à descrença das pessoas acerca de seu futuro e, lamentavelmente, de seu vínculo com o divino — algo que remete àquela conhecida acídia cunhada pelo maior dos nossos poetas, Castro Alves, na última estrofe do Canto V, do poema “O Navio Negreiro”:
“Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus,
Se eu deliro… ou se é verdade
Tanto horror perante os céus?!…
Ó mar, por que não apagas
Co’a esponja de tuas vagas
Do teu manto este borrão?
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!…”

Foto: Reprodução

 

 

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As perigosas trampolinagens do Trump

Por Paulo Afonso Linhares

(Doutor em Direito, advogado, professor universitário aposentado e diretor-presidente da Rádio Difusora de Mossoró).​

No que muitos consideram um dos períodos mais conturbados da história política recente, o segundo mandato de Donald Trump – iniciado em 2025 – já se mostra marcado por uma série de medidas autoritárias e decisões de alto risco, que lançam uma sombra sobre o futuro dos Estados Unidos e reverberam por todo o planeta.
Desde o início de seu novo mandato, Trump adotou uma postura agressiva que lembra, em muitos aspectos, os alertas de pensadores democráticos como Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, autores de “Como as democracias morrem”. A promessa de “fazer as coisas ruins de uma vez só” parece ter materializado-se a partir de medidas que atacam de forma sistemática os pilares da democracia americana e tornam cada vez mais íngreme e tortuoso o chão republicano, ademais de impor um clima de incerteza e insegurança nas relações entre Estados soberanos e organizações multilaterais.
Entre as ações controversas, destacam-se políticas de repressão a imigrantes, a desmontagem de mecanismos de proteção ambiental e de saúde pública, bem como a enorme redução dos programas de assistência social – tanto internamente quanto em âmbito internacional, com o desmantelamento dos sistemas de assistência à saúde da população e de ensino básico estatal, além de acabar com o serviço de assistência a países vítimas de catástrofes e miséria, o USAID.
O novo governo não poupou críticas ao adotar práticas que atentam contra a liberdade acadêmica e de expressão, provocando temores de que o país esteja caminhando para um regime de viés autocrático, onde o discurso público é controlado e a oposição, silenciada. A postura dura também se reflete nas relações internacionais: ameaças de anexação de territórios tão diversos quanto o Canadá, a Groenlândia e a retomada da Zona do Canal do Panamá, já circulam entre os mais inquietos e não menos incrédulos analistas políticos.
A escalada não para por aí. Em uma tentativa de reconfigurar a ordem econômica global, Trump iniciou uma guerra comercial sem precedentes, impondo pesadas tarifas a produtos de mais de 70 países – com um foco especial na China e na União Europeia. Segundo estimativas, os mercados financeiros já sofreram um abalo significativo, com as bolsas de valores globais registrando perdas enormes e empresas norte-americanas, inclusive startups que anteriormente apoiavam o ícone da extrema direita, tendo seus valores de mercado despencado em mais de 7 trilhões de dólares.
No instante em que este texto é redigido, 11/04/2025, a “guerra do tarifaço” confronta perigosamente entre os dois gigantes da economia, Estados Unidos e a China. Após gradativas imposições de tarifas aos produtos chineses, que chegaram ao absurdo de 145%, os norte-americanos sofreram retaliações de 125% de taxa para as mercadorias que venderem para a China. Nesse perde-perde é difícil saber como vai terminar o bazé armado por Trump. Sem arroubos, a China responde à altura é perceptivelmente leva alguma vantagem. Certo é que, nesses parâmetros, não há negócios possíveis: ninguém compra, ninguém vende. No tocante aos outros países taxados em variadas alíquotas por Trump, a partir da menor de 10%, ele recuou ao estabelecer moratória de 90 dias. Recuos esses que agravam mais o clima de incerteza dos mercados, com drásticas perdas.
Os desdobramentos desse segundo mandato parecem ecoar um velho ensinamento de Niccolò Machiavelli, que na obra “Il Príncipe”, aconselhava: “Quando for praticar o mal, é fazê-lo de uma vez só”. E no começo do governo; as coisas boas, devem ser feitas a conta-gotas. Para muitos observadores, Trump aprendeu aquela lição de forma crua, utilizando sua autoridade para implementar mudanças drásticas e muitas vezes irreversíveis, sem a cautela que os tempos atuais exigem. A rápida sucessão de medidas – que os críticos classificam de “trampolinagens” – evidencia uma aposta no choque e na surpresa, sem a devida consideração das consequências a longo prazo.
Enquanto a comunidade internacional tenta se ajustar a essa nova realidade, os Estados Unidos enfrentam um cenário de incertezas que pode comprometer não só sua imagem no exterior, mas, também, a estabilidade interna. As grandes universidades e institutos de pesquisas estão sob intenso fogo emanado da Casa Branca: neste momento, mais de dois milhares de cientistas e renomados pesquisadores em todas as áreas do conhecimento, ameaçam trocar os Estados Unidos pelo Canadá, países da União Europeia e do Extremo Oriente, com graves e negativos reflexos no desenvolvimento científico e tecnológico do mundo.Economistas, acadêmicos e líderes políticos de diversos países alertam que o caminho trilhado por Trump tem potencial para desestabilizar não apenas o equilíbrio econômico global, mas, ainda, os fundamentos das democracias modernas.
Importantes instituições jurídico-políticas erigidas a 250 anos com a Declaração da Independência (4 de julho de 1776) e ampliadas com o advento da Constituição norte-americana (17 de setembro de 1787), em especial a estrutura estatal baseada na separação de poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), que atuariam segundo a genial fórmula política dos “checks and balances” (Balanços e Contrapesos), imaginada pelos “pais fundadores” da pátria norte-americana, se encontram em risco sob o tacão autocrático de Donald Trump e seus atos executivo que tudo podem. Com isso, já ressaltam as análises políticas que os Estados Unidos têm um governo autocrático e que pode igualmente incendiar o resto do mundo.
A história, entretanto, ainda está em construção. O que se vê hoje é um país à beira de uma transformação profunda – cujas repercussões podem se estender por décadas – e um mundo que assiste, apreensivo, aos desdobramentos de uma política marcada por riscos extremos e medidas que desafiam as convenções democráticas.
Este cenário, embora hipotético, serve como um alerta para os perigos que surgem quando líderes autoritários utilizam as instituições democráticas como trampolins para ações de caráter revolucionário. Em meio a um clima de tensão e incerteza, a vigilância e o debate público se tornam ferramentas essenciais para preservar a liberdade e a estabilidade que são a base de qualquer sociedade democrática e soberana.

Foto: Reprodução

 

 

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O oito de janeiro e o apito do cachorro

Por Paulo Afonso Linhares
Segundo a tradição cristã, mormente no Brasil, as árvores de natal e os presépios são desmontados no dia 6 de janeiro. Coincidência ou não, foi em 6 de janeiro de 2021 que extremistas de direita ligados a Donald Trump – entre os invasores, perfilavam grupos de extrema-direita, como o Oath Keepers, o Proud Boys e o QAnon – fizeram enorme e perigosa presepada ao invadir o Capitólio, sede do Legislativo norte-americano, no objetivo de impedir fosse realizada a sessão presidida pelo então vice-presidente Mike Pence e que pretendia confirmar a vitória de Joe Biden naquela eleição.
O ato foi incitado pelo então presidente Trump, através de postagens de ódio e de “fakes news” em suas redes sociais, porquanto ele detinha aquilo que, no jargão político, se conhece como “dog-whistle politics”, ou “política do apito do cachorro”, na versão da língua de Machado de Assis.
A motivação para a tresloucada ação política, inédita nos 245 anos da democracia norte-americana, seriam supostas fraudes nas eleições presidenciais em vários Estados onde Trump perdeu para Biden, valendo lembras que essas alegações vinham sendo trombeteadas pelo próprio meses antes da invasão, porém, todas prontamente repelidas pelas principais autoridades norte-americanas, pela imprensa e entidades da sociedade civil dos Estados Unidos da América.
Curioso que a maior reclamação de Trump foi tocante ao tipo de voto arcaico e inseguro de alguns Estados, os quais têm diferentes e peculiares processos eleitorais, sendo predominante o uso de cédulas de papel postas em urnas de papelão ou de lona, além do voto remetidos pelo Correio, ou seja, inversa da reclamação da extrema-direita brasileira, representada por Jair Bolsonaro, contra o avançado e eficiente sistema de votação implantado pioneiramente, a partir das eleições municipais de 1996, em 57 cidades do Brasil e, mais de três décadas após, passou por enormes transformações que tornou seguros os resultados das eleições que abrangem todos os Municípios brasileiros e até que ocorrem nas representações diplomáticas brasileiras no exterior.
Decerto igualmente “estimulado pelo interesse que a ‘melancólica trajetória nacional’ contemporânea como dizia o também saudoso Francisco Iglésias suscita”, segundo assertiva de Carlos Fico, no texto “Versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar” (https://shorturl.at/abGP3), escrevo esta reflexão ligeira justo neste 8 de janeiro de 2023, um ano após a presepada brasileira da tentativa de golpe de Estado, com a invasão da Praça dos Três Poderes por uma horda de partidários de Jair Bolsonaro (que curtia um conveniente autoexílio na Flórida), quando o Palácio do Planalto, o prédio do Congresso Nacional e a sede do Supremo Tribunal Federal, sedes dos poderes da Repúblicas, foram barbaramente vandalizados no desiderato de forçar a determinação, pelo Presidente da República, de operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) pelas Forças Armadas, conforme regulado na Constituição Federal, em seu artigo 142, pela Lei Complementar nº 97, de 1999, e pelo Decreto nº 3.897, de 2001.
Segundo se obtém do portal do Ministério da Defesa, “realizadas exclusivamente por ordem expressa da Presidência da República, as missões de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) ocorrem nos casos em que há o esgotamento das forças tradicionais de segurança pública, em graves situações de perturbação da ordem”. Essas operações de GLO, que pressupõem a falência de todo o aparato de segurança interno, concedem provisoriamente aos militares das Forças Armadas a faculdade de atuar com poder de polícia até o restabelecimento da normalidade, de modo que as autoridades civis, inclusive o próprio Presidente da República, a depender delas. Político extremamente perspicaz e experiente, sabia o presidente Lula que se determinasse uma GLO, naquele momento, seu governo, sua carreira política e até sua própria vida, estariam seriamente ameaçados e o país poderia mergulhar em mais uma ditadura. Não fez e tomou, auxiliado pelos chefes dos poderes Legislativo e Judiciário, enérgicas e saneadoras providência, sendo a mais significativa delas a intervenção federal na máquina de segurança pública do GDF.
Houvesse a conivência das principais lideranças da Forças Armadas, principalmente da maior delas que é o Exército Brasileiro, imaginavam Bolsonaro e sua entourage, o golpe estaria dado se o presidente Lula propiciasse a realização da GLO para conter a invasão das hordas bolsonaristas naquele Oito de Janeiro que passa à História como a data em que restou inabalada a democracia brasileira.
Claro, setores do Exército, do próprio Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, do Governo e da Polícia Militar do Distrito Federal, mostraram-se coniventes com o plano adredemente traçado pela cúpula bolsonarista, porém, em sendo uma aventura de altíssimo risco e que não teria nenhum apoio internacional de peso, a alta oficialidade, sobretudo, do Exército, preferiu não aderir a ela.
Uma coisa é certa: os tristes acontecimentos ora rememorados não ocorreram por simples acaso, não foram um mero ‘domingo no parque’ de velhinhos e velhinhas “com uma bíblia numa mão e uma bandeira (do Brasil) na outra” como afirmou o próprio Jair Bolsonaro em entrevista à imprensa, mas, foi parte de um plano de golpe de Estado urdido e executado pela cúpula das forças políticas derrotadas no segundo turno das eleições presidenciais de 2022, ademais de serem resultantes da longa e agressiva pregação da extrema-direita bolsonarista contra as instituições democráticas, em especial contra o sistema eleitoral brasileiro, o Superior Tribunal Federal e o Supremo Tribunal Federal.
Aliás, é curioso perceber que o sentimento de ódio externado pelos golpistas do dia 8 de janeiro de 2023 se fez mais presente na depredação do prédio do STF do que no do Congresso e no Palácio do Planalto, porquanto uma das constantes políticas do bolsonarismo é a negação do sistema eleitoral eletrônico adotado no Brasil, aliada aos ataques à Suprema Corte e alguns de seus membros, notadamente os ministros Alexandre de Morais, Luiz Roberto Barroso e Gilmar Mendes, sendo que o primeiro foi dura e publicamente, por diversas vezes e ocasiões, pelo próprio Jair Bolsonaro, a exemplo dos discursos em atos comemorativos do Sete de Setembro na Avenida Paulista, em São Paulo, e na Avenida Atlântica, no Rio de Janeiro, em 2022.
A verdade é que os três magistrados citados, ao lado do senador Flávio Dino, que brevemente vestirá a toga de ministro do Supremo Tribunal Federal, sem sombra de dúvida são bem mais odiados pelos seguidores de Jair Bolsonaro do que mesmo o presidente Luis Inácio Lula da Silva que, no máximo, ocupa um ‘modesto’ 5º lugar nesse ranking.
A propósito, não é demais recordar, também, as ameaças feitas pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro que disse, antes do primeiro turno das eleições de 2018, que pagaria para ver se o STF teria coragem para impedir a candidatura do pai, Jair Bolsonaro, terminando por afirmar: “Eu não acho isso improvável, não. Mas aí vai ter que pagar para ver. Será que eles vão ter essa força mesmo? O pessoal até brinca lá: se quiser fechar o STF, você sabe o que você faz? Você não manda nem um jipe. Manda um soldado e um cabo. Não é querer desmerecer o soldado e o cabo não”.
Por essas e outras é que o ódio espargido pelos partidários de Jair Bolsonaro, na choldra de 8 de janeiro de 2023, com quebradeira, destruição, incêndio e até fezes diretamente excretadas na mesa de trabalho do ministro Alexandre de Morais, atingiu mais pesadamente o prédio do STF. Aliás, em recente entrevista em rede nacional, o mesmo ministro Alexandre de Morais fez gravíssimas revelações, baseado em elementos colhidos pela Polícia Federal em investigação na sede das Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), segundo as quais a intenção dos mentores do golpe seria assassiná-lo, ou mediante sequestro/desaparecimento ou, pasmem, por enforcamento em frente ao STF, claro, se o golpe tivesse sucesso. A ABIN teria participação ativa no complô, cabendo-lhe monitorar algumas centenas de autoridades públicas e informar o momento certo para a captura, sobretudo, do magistrado antes referido, para colimar o sinistro plano.
Um ano após os atos golpistas de 8 de janeiro, quando as sedes dos Três Poderes da República foram invadidas e depredadas em Brasília, 1.413 pessoas já foram denunciadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR), na condição de executores desses autos, dos quais 30 já foram condenados a penas que vão até 17 anos de reclusão, a exemplo do entregador paranaense Matheus Lima de Carvalho Lázaro, de 24 anos, cuja sentença penal condenatória até já transitou em julgado.
O STF continuará apreciando as ações penais em curso, embora tendo como alvo, até agora, os peixes miúdos; espera-se o tacão da Justiça recaia nos peixões graúdos, aqueles que financiaram e pagaram as pesadas despesas necessárias à complexa logística dos acampamentos em frente aos quartéis do Exército e do próprio golpe.
Esses devem ter penas mais pesadas do que os baderneiros-executores do golpe de Oito de Janeiro, vão pagar e é dobrado “cada lágrima rolada” dos olhos desta nação, para lembrar a canção de Chico Buarque, até que chega àquele que efetivamente tem o “apito do cachorro”, o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro, com o qual comandou as malta golpista e suas devastadoras ações, no Oito de Janeiro, com a depredação das sedes dos poderes da República e que quase apunhalavam de morte a democracia que o povo brasileiro, com tantos sacrifícios e sangue de suas filhas e filhos, tem ousado erigir como permanente legado e indeclinável conquista da brava gente destes tantos Brasis.
Os sicários da democracia brasileira, seja aquele usou remotamente o apito de cachorro e as bestas por ele açuladas, não passaram, no Oito de Janeiro, nem passarão no futuro luminoso que nos espera, se vigilante a sociedade brasileira estiver, sempre. A democracia brasileira pulsa e vive. Inabalada. Viva o Brasil!
Imagem:Poder360

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A reforma tributária possível

Por Paulo Afonso Linhares
(Doutor em Direito, advogado, professor universitário aposentado e diretor-presidente da Rádio Difusora de Mossoró).​
A Constituição de 1988 ao tempo em que trouxe enormes avanços na definição de uma pauta de direitos e garantias individuais e coletivos, ao lado da proteção dos interesses difusos, uma das melhores do mundo, foi por demais tímida no redesenho da estrutura do Estado brasileiro, quando manteve bem nítidas as linhas traçadas nas constituições anteriores, mormente a de 1946, merecendo ser ressaltada a centralização do poder na esfera da União, em detrimento da unidades federadas, em matéria de competências legislativas, nas definições dos bens públicos e, sobretudo, na partição das receitas tributárias, em que o “Leão” federal sempre leva a maior parte para deixar à míngua os Estados e Municípios.
​No tocante às espécies de tributos, algumas (absurdas) jabuticabas foram mantidas na Carta de 1988, como são os casos dos impostos sobre o consumo (ICMS) e sobre serviços de qualquer natureza (ISS), ambos de competências estaduais e municipais, respectivamente. Aliás, dois monstrengos sem similar nos sistemas tributários de países desenvolvidos. No caso do ICMS, perpetuou-se o absurdo da taxação na origem e no destino da mercadoria ou serviço, com inegável desequilíbrio do pacto federativo: imposto de consumo somente deve incidir nas operações do destino, jamais na origem, onde o bem é produzido.
​Certo é que uma correção do sistema tributário da Constituição de 1988 sempre se fez necessária e a primeira grande oportunidade para realizá-la seria na revisão constitucional prevista no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT): “Art. 3º. A revisão constitucional será realizada após cinco anos, contados da promulgação da Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral.” Realizada em 1994, a Revisão não impôs maiores mudanças ao arcaico sistema tributário adotado pelo constituinte de 1988, senão para piorá-la.
​E se passam 35 anos sem que uma reforma estrutural e profunda do sistema tributário nacional tenha ocorrido. Certamente, grande parte dos malefícios do chamado “Custo Brasil” radique nos percalços causados pelas administrações tributárias nos três níveis federativos. Em suma, o Brasil tem reduzido, nas últimas quatro décadas, a sua capacidade de atrair investimentos estrangeiros em razão de insegurança jurídica do seu sistema tributário.
​Algo deveria ser feito. Depois de quatro anos como pária na ordem internacional, o Brasil reconquista um protagonismo que perdeu no quadriênio do governo Bolsonaro. Grave é que sistema tributário nacional padecia de vícios enormes, de modo a se fazer inafastável uma profunda mudança no (arcaico) sistema tributário brasileiro.
​A reforma tributária que tanto tem fomentado uma discursão, sobretudo, no parlamento nacional, nada mais é do que uma fundamental etapa do processo de retomada do Brasil como especial espaço de investimentos de capitais internos e externos. Enfim, o Brasil não pode ser visto como a famigerada “vanguarda do atraso” que o caracterizou no complexo de atração de investimentos externos. Afinal, essa seria a forma mais eficaz de sublimação interativa do Brasil, com ao mercado internacional, com um nível de protagonismo jamais visto nos últimos quatro anos que antecederam a 2023.
​Enfim, por diversas formas, inegável é que este país voltou a pontuar no concerto das nações mais poderosas do planeta. E a modernização do seu sistema tributário, além de impor imprescindíveis ajustes internos, de rebalanceamento de seu modelo federativo, pode favorecer o estabelecimento de um espaço de atração de pesados investimentos internacionais em setores tecnológicos de ponta, como a produção de energias renováveis e de baixa emissão de carbono.
​ Assim, a reforma tributária cuja construção está em curso no Congresso Nacional, posto que não represente nem de longe o que seria ideal, constitui um grande avanço na superestrutura do Estado brasileiro que o capacita a se ombrear às economias mais poderosas do planeta. Sim, também pela reforma tributária que ousou fazer, sonho de muitas décadas que, aliás, não é expressão de um governo, de um partido, de um governante, mas, do conjunto das forças politicas da nação, para além dos diversos credos políticos e ideológicos.
​Bem a propósito, o ex-presidente Jair Bolsonaro chamou para si uma derrota que efetivamente não deveria ter, quando se opôs e conclamou aos deputados federais do PL a votar contra a PEC da reforma tributária ao argumento tosco de que ela seria a “reforma do PT”, apesar da evidência de que isto não era verdadeiro, porquanto majoritariamente amplos setores do empresariado, inclusive do agro, defendiam a reforma. Resumo da opera: dos 382 votos que aprovaram a reforma tributária, no segundo turno, 20 parlamentares votaram contra a orientação (raivosa) do presidente “de honra” do PL, inclusive, o indefectível deputado Tiririca.
​Em suma, fosse do PT – ou de qualquer partido social-democrata genuíno – a reforma tributária imporia uma ‘mordida’ mais severa nos ganhos dos muitos ricos, sobretudo, na casta que aufere ricos dividendos empresariais não tributáveis. E isto não aconteceu na justa medida que deveria.
​Enfim, ademais de todas as dificuldades e contradições que possa ensejar, a reforma tributária a ser materializada no curto, médio e longo prazos, como a reforma possível, certamente imporá um padrão de relacionamento Estado/Cidadão cada vez mais distante (e sadio) do que o traçado pela já vetusta “Constituição Cidadã” de 1988. O Brasil avança. E voltou.

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O triz de Lula

* Por Paulo Afonso Linhares
Na política, um comportamento recorrente de perdedores e despeitados de variados gêneros é construir argumentos que, embora não expliquem, tendem a menosprezar os efeitos das derrotas eleitorais, sobretudo, com utilização de falácias matemáticas de redução danos. Aliás, não é outra coisa o que têm feito segmentos importantes da imprensa conservadora brasileira, em especial quando dizem que Lula ganhou para Bolsonaro por pequena margem, mormente quando adotam números relativos, grandezas expressas em percentuais.
A partir desse ferramental, é possível construir uma canhestra alegoria de que “Lula ganhou por pouco” ou que a sociedade brasileira está perigosamente dividida. E esse argumento de que Lula ganhou por pouco tem o condão de retirar a legitimidade de sua vitória. Ora, a democracia nada mais é do que uma regra básica de que prevalece a decisão da maioria. Rigorosamente, o candidato que obtém um mísero voto a mais que seu adversário estria eleito. É a famosa regra da maioria que, nas sociedades contemporâneas, formata a concepção mesma de democracia,
O governo Lula seria ilegítimo porque superou seu adversário em reduzido percentual? Nada. Com efeito, 2.139.645 foi a maioria que Lula obteve sobre Bolsonaro, nas urnas. Todavia, bolsonaristas e gente de extrema-direita busca minimizar essa verdade numérica. E dizem que Lula venceu por pouco o seu adversário Bolsonaro. Sim, depois de patrocinar os maiores abusos de poder político e econômico em eleições presidenciais, sobretudo, com a liberação de bilhões de reais para caminhoneiros e taxistas, os primeiros uma faixa típica de eleitorado bolsonarista, além das mudanças eleitoreiras no programa Auxílio Brasil, Bolsonaro apenas esboçou, com muito sucesso, uma tática eleitoral de redução de danos: teria perdido por cerca de dez pontos percentuais de maioria – mais de 20 milhões de votos -, não fossem as trampolinagens de seus aliados do Centrão, mormente o senador Ciro Nogueira (PP-PI), então ministro-chefe da Casa Civil da presidência da República e, em especial, o supremo executor do orçamento federal, deputado Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados.
Fato é que ganhou corpo nas redações de veículos de comunicação e, em especial, no pantanoso terreno das redes sociais que Lula venceu “por um triz” a eleição presidencial no segundo turno. O mais grave é que essa “narrativa” teve acolhimento até em segmentos da mídia progressista, sendo despiciendo notar que tradicionais veículos de comunicação de cariz conservador utilizaram até à exaustão essa bobagem da “pequena” maioria de Lula sobre Bolsonaro, no segundo turno das eleições presidenciais.
Claro, se os resultados da eleição presidencial de 2022 forem vistos apenas em termos percentuais, a maioria de Lula (que obteve 50,90% dos votos válidos) sobre Bolsonaro (com 49,10% dos votos válidos) parece como pequena margem (com 1,8% de maioria), porém, nas eleições democráticas a regra válida é meramente uma operação aritmética de soma, segundo o princípio do “one man, one vote” (“um homem, um voto”), do Direito Eleitoral norte-americano. Percentual serve para expressar os resultados de pesquisas de opinião em eleições. O resultado de um pleito eleitoral, todavia, se traduz sempre em números naturais que, em linguagem matemática, são números inteiros positivos que se agrupam num conjunto chamado de N, composto de ilimitados elementos. Simples assim.
Ora, a maioria que Lula obteve sobre Bolsonaro supera numericamente o eleitorado que efetivamente votou na maioria dos Estados da Federação e Distrito Federal. Por exemplo, no Rio Grande do Norte, os votos válidos somaram 2.038.166, o que é inferior à maioria obtida por Lula sobre Bolsonaro. Assim, como postulado eleitoral, é válido afirmar que Lula venceu Bolsonaro por mais de um Rio Grande do Norte de dianteira, considerando-se os números finais da eleição presidencial de 2022.
Então, Lula venceu “por um triz”? Que é um “triz”? A acepção da palavra em grego (τριχός [trikhós] = pelo, cabelo) originou “um fio de cabelo” em português, algo que significa pequena diferença, um pouquinho, um átimo. Então, Lula venceu por diminuta maioria. Não. Com os seus 60.345.999 votos obteve um Rio Grande do Norte a mais que os 58.206.354 atribuídos a Jair Bolsonaro. E Lula não venceu “por um fio de cabelo”, “por um triz”, como dizem.
Então, vamos parar com essa bobagem falaciosa das eleições de 2022: a democracia, ao contrário que muitos propalam, não é nada sacrossanto, mas, apenas uma boa regra de aferição do consenso em grupos humanos, aliás, orientada por uma ética do consentimento. Nela, a regra fundamental é que a maioria vence, independentemente se por um ou por milhões de voto. Claro, o candidato que obtém, num pleito majoritário, uma votação bem superior ao seu adversário, assume o cargo com uma legitimação equivalente. Portanto, embora vencer uma eleição com apenas um voto de maioria seja legítimo, certamente provoca sentimento de não aceitação do resultado, derivando pedidos de recontagem de votos e até, em atitude extremada, partir para o uso da violência de um golpe de Estado.
No entanto, nas eleições de 2022, neste Brasilsão de enormes contrastes, 2.139.645 de votos obtidos por Lula a mais do que seu oponente, na eleição presidencial, afiguram-se como legitimadoras do processo eleitoral tão bem conduzido pelo Tribunal Superior Eleitoral. E não foi apenas uma vitória por mísero triz.

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PAULO AFONSO LINHARES é doutor em Direito, advogado, professor universitário aposentado e diretor-presidente da Rádio Difusora de Mossoró.

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