Opinião com Paulo Linhares

O oito de janeiro e o apito do cachorro

Por Paulo Afonso Linhares
Segundo a tradição cristã, mormente no Brasil, as árvores de natal e os presépios são desmontados no dia 6 de janeiro. Coincidência ou não, foi em 6 de janeiro de 2021 que extremistas de direita ligados a Donald Trump – entre os invasores, perfilavam grupos de extrema-direita, como o Oath Keepers, o Proud Boys e o QAnon – fizeram enorme e perigosa presepada ao invadir o Capitólio, sede do Legislativo norte-americano, no objetivo de impedir fosse realizada a sessão presidida pelo então vice-presidente Mike Pence e que pretendia confirmar a vitória de Joe Biden naquela eleição.
O ato foi incitado pelo então presidente Trump, através de postagens de ódio e de “fakes news” em suas redes sociais, porquanto ele detinha aquilo que, no jargão político, se conhece como “dog-whistle politics”, ou “política do apito do cachorro”, na versão da língua de Machado de Assis.
A motivação para a tresloucada ação política, inédita nos 245 anos da democracia norte-americana, seriam supostas fraudes nas eleições presidenciais em vários Estados onde Trump perdeu para Biden, valendo lembras que essas alegações vinham sendo trombeteadas pelo próprio meses antes da invasão, porém, todas prontamente repelidas pelas principais autoridades norte-americanas, pela imprensa e entidades da sociedade civil dos Estados Unidos da América.
Curioso que a maior reclamação de Trump foi tocante ao tipo de voto arcaico e inseguro de alguns Estados, os quais têm diferentes e peculiares processos eleitorais, sendo predominante o uso de cédulas de papel postas em urnas de papelão ou de lona, além do voto remetidos pelo Correio, ou seja, inversa da reclamação da extrema-direita brasileira, representada por Jair Bolsonaro, contra o avançado e eficiente sistema de votação implantado pioneiramente, a partir das eleições municipais de 1996, em 57 cidades do Brasil e, mais de três décadas após, passou por enormes transformações que tornou seguros os resultados das eleições que abrangem todos os Municípios brasileiros e até que ocorrem nas representações diplomáticas brasileiras no exterior.
Decerto igualmente “estimulado pelo interesse que a ‘melancólica trajetória nacional’ contemporânea como dizia o também saudoso Francisco Iglésias suscita”, segundo assertiva de Carlos Fico, no texto “Versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar” (https://shorturl.at/abGP3), escrevo esta reflexão ligeira justo neste 8 de janeiro de 2023, um ano após a presepada brasileira da tentativa de golpe de Estado, com a invasão da Praça dos Três Poderes por uma horda de partidários de Jair Bolsonaro (que curtia um conveniente autoexílio na Flórida), quando o Palácio do Planalto, o prédio do Congresso Nacional e a sede do Supremo Tribunal Federal, sedes dos poderes da Repúblicas, foram barbaramente vandalizados no desiderato de forçar a determinação, pelo Presidente da República, de operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) pelas Forças Armadas, conforme regulado na Constituição Federal, em seu artigo 142, pela Lei Complementar nº 97, de 1999, e pelo Decreto nº 3.897, de 2001.
Segundo se obtém do portal do Ministério da Defesa, “realizadas exclusivamente por ordem expressa da Presidência da República, as missões de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) ocorrem nos casos em que há o esgotamento das forças tradicionais de segurança pública, em graves situações de perturbação da ordem”. Essas operações de GLO, que pressupõem a falência de todo o aparato de segurança interno, concedem provisoriamente aos militares das Forças Armadas a faculdade de atuar com poder de polícia até o restabelecimento da normalidade, de modo que as autoridades civis, inclusive o próprio Presidente da República, a depender delas. Político extremamente perspicaz e experiente, sabia o presidente Lula que se determinasse uma GLO, naquele momento, seu governo, sua carreira política e até sua própria vida, estariam seriamente ameaçados e o país poderia mergulhar em mais uma ditadura. Não fez e tomou, auxiliado pelos chefes dos poderes Legislativo e Judiciário, enérgicas e saneadoras providência, sendo a mais significativa delas a intervenção federal na máquina de segurança pública do GDF.
Houvesse a conivência das principais lideranças da Forças Armadas, principalmente da maior delas que é o Exército Brasileiro, imaginavam Bolsonaro e sua entourage, o golpe estaria dado se o presidente Lula propiciasse a realização da GLO para conter a invasão das hordas bolsonaristas naquele Oito de Janeiro que passa à História como a data em que restou inabalada a democracia brasileira.
Claro, setores do Exército, do próprio Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, do Governo e da Polícia Militar do Distrito Federal, mostraram-se coniventes com o plano adredemente traçado pela cúpula bolsonarista, porém, em sendo uma aventura de altíssimo risco e que não teria nenhum apoio internacional de peso, a alta oficialidade, sobretudo, do Exército, preferiu não aderir a ela.
Uma coisa é certa: os tristes acontecimentos ora rememorados não ocorreram por simples acaso, não foram um mero ‘domingo no parque’ de velhinhos e velhinhas “com uma bíblia numa mão e uma bandeira (do Brasil) na outra” como afirmou o próprio Jair Bolsonaro em entrevista à imprensa, mas, foi parte de um plano de golpe de Estado urdido e executado pela cúpula das forças políticas derrotadas no segundo turno das eleições presidenciais de 2022, ademais de serem resultantes da longa e agressiva pregação da extrema-direita bolsonarista contra as instituições democráticas, em especial contra o sistema eleitoral brasileiro, o Superior Tribunal Federal e o Supremo Tribunal Federal.
Aliás, é curioso perceber que o sentimento de ódio externado pelos golpistas do dia 8 de janeiro de 2023 se fez mais presente na depredação do prédio do STF do que no do Congresso e no Palácio do Planalto, porquanto uma das constantes políticas do bolsonarismo é a negação do sistema eleitoral eletrônico adotado no Brasil, aliada aos ataques à Suprema Corte e alguns de seus membros, notadamente os ministros Alexandre de Morais, Luiz Roberto Barroso e Gilmar Mendes, sendo que o primeiro foi dura e publicamente, por diversas vezes e ocasiões, pelo próprio Jair Bolsonaro, a exemplo dos discursos em atos comemorativos do Sete de Setembro na Avenida Paulista, em São Paulo, e na Avenida Atlântica, no Rio de Janeiro, em 2022.
A verdade é que os três magistrados citados, ao lado do senador Flávio Dino, que brevemente vestirá a toga de ministro do Supremo Tribunal Federal, sem sombra de dúvida são bem mais odiados pelos seguidores de Jair Bolsonaro do que mesmo o presidente Luis Inácio Lula da Silva que, no máximo, ocupa um ‘modesto’ 5º lugar nesse ranking.
A propósito, não é demais recordar, também, as ameaças feitas pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro que disse, antes do primeiro turno das eleições de 2018, que pagaria para ver se o STF teria coragem para impedir a candidatura do pai, Jair Bolsonaro, terminando por afirmar: “Eu não acho isso improvável, não. Mas aí vai ter que pagar para ver. Será que eles vão ter essa força mesmo? O pessoal até brinca lá: se quiser fechar o STF, você sabe o que você faz? Você não manda nem um jipe. Manda um soldado e um cabo. Não é querer desmerecer o soldado e o cabo não”.
Por essas e outras é que o ódio espargido pelos partidários de Jair Bolsonaro, na choldra de 8 de janeiro de 2023, com quebradeira, destruição, incêndio e até fezes diretamente excretadas na mesa de trabalho do ministro Alexandre de Morais, atingiu mais pesadamente o prédio do STF. Aliás, em recente entrevista em rede nacional, o mesmo ministro Alexandre de Morais fez gravíssimas revelações, baseado em elementos colhidos pela Polícia Federal em investigação na sede das Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), segundo as quais a intenção dos mentores do golpe seria assassiná-lo, ou mediante sequestro/desaparecimento ou, pasmem, por enforcamento em frente ao STF, claro, se o golpe tivesse sucesso. A ABIN teria participação ativa no complô, cabendo-lhe monitorar algumas centenas de autoridades públicas e informar o momento certo para a captura, sobretudo, do magistrado antes referido, para colimar o sinistro plano.
Um ano após os atos golpistas de 8 de janeiro, quando as sedes dos Três Poderes da República foram invadidas e depredadas em Brasília, 1.413 pessoas já foram denunciadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR), na condição de executores desses autos, dos quais 30 já foram condenados a penas que vão até 17 anos de reclusão, a exemplo do entregador paranaense Matheus Lima de Carvalho Lázaro, de 24 anos, cuja sentença penal condenatória até já transitou em julgado.
O STF continuará apreciando as ações penais em curso, embora tendo como alvo, até agora, os peixes miúdos; espera-se o tacão da Justiça recaia nos peixões graúdos, aqueles que financiaram e pagaram as pesadas despesas necessárias à complexa logística dos acampamentos em frente aos quartéis do Exército e do próprio golpe.
Esses devem ter penas mais pesadas do que os baderneiros-executores do golpe de Oito de Janeiro, vão pagar e é dobrado “cada lágrima rolada” dos olhos desta nação, para lembrar a canção de Chico Buarque, até que chega àquele que efetivamente tem o “apito do cachorro”, o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro, com o qual comandou as malta golpista e suas devastadoras ações, no Oito de Janeiro, com a depredação das sedes dos poderes da República e que quase apunhalavam de morte a democracia que o povo brasileiro, com tantos sacrifícios e sangue de suas filhas e filhos, tem ousado erigir como permanente legado e indeclinável conquista da brava gente destes tantos Brasis.
Os sicários da democracia brasileira, seja aquele usou remotamente o apito de cachorro e as bestas por ele açuladas, não passaram, no Oito de Janeiro, nem passarão no futuro luminoso que nos espera, se vigilante a sociedade brasileira estiver, sempre. A democracia brasileira pulsa e vive. Inabalada. Viva o Brasil!
Imagem:Poder360

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A reforma tributária possível

Por Paulo Afonso Linhares
(Doutor em Direito, advogado, professor universitário aposentado e diretor-presidente da Rádio Difusora de Mossoró).​
A Constituição de 1988 ao tempo em que trouxe enormes avanços na definição de uma pauta de direitos e garantias individuais e coletivos, ao lado da proteção dos interesses difusos, uma das melhores do mundo, foi por demais tímida no redesenho da estrutura do Estado brasileiro, quando manteve bem nítidas as linhas traçadas nas constituições anteriores, mormente a de 1946, merecendo ser ressaltada a centralização do poder na esfera da União, em detrimento da unidades federadas, em matéria de competências legislativas, nas definições dos bens públicos e, sobretudo, na partição das receitas tributárias, em que o “Leão” federal sempre leva a maior parte para deixar à míngua os Estados e Municípios.
​No tocante às espécies de tributos, algumas (absurdas) jabuticabas foram mantidas na Carta de 1988, como são os casos dos impostos sobre o consumo (ICMS) e sobre serviços de qualquer natureza (ISS), ambos de competências estaduais e municipais, respectivamente. Aliás, dois monstrengos sem similar nos sistemas tributários de países desenvolvidos. No caso do ICMS, perpetuou-se o absurdo da taxação na origem e no destino da mercadoria ou serviço, com inegável desequilíbrio do pacto federativo: imposto de consumo somente deve incidir nas operações do destino, jamais na origem, onde o bem é produzido.
​Certo é que uma correção do sistema tributário da Constituição de 1988 sempre se fez necessária e a primeira grande oportunidade para realizá-la seria na revisão constitucional prevista no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT): “Art. 3º. A revisão constitucional será realizada após cinco anos, contados da promulgação da Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral.” Realizada em 1994, a Revisão não impôs maiores mudanças ao arcaico sistema tributário adotado pelo constituinte de 1988, senão para piorá-la.
​E se passam 35 anos sem que uma reforma estrutural e profunda do sistema tributário nacional tenha ocorrido. Certamente, grande parte dos malefícios do chamado “Custo Brasil” radique nos percalços causados pelas administrações tributárias nos três níveis federativos. Em suma, o Brasil tem reduzido, nas últimas quatro décadas, a sua capacidade de atrair investimentos estrangeiros em razão de insegurança jurídica do seu sistema tributário.
​Algo deveria ser feito. Depois de quatro anos como pária na ordem internacional, o Brasil reconquista um protagonismo que perdeu no quadriênio do governo Bolsonaro. Grave é que sistema tributário nacional padecia de vícios enormes, de modo a se fazer inafastável uma profunda mudança no (arcaico) sistema tributário brasileiro.
​A reforma tributária que tanto tem fomentado uma discursão, sobretudo, no parlamento nacional, nada mais é do que uma fundamental etapa do processo de retomada do Brasil como especial espaço de investimentos de capitais internos e externos. Enfim, o Brasil não pode ser visto como a famigerada “vanguarda do atraso” que o caracterizou no complexo de atração de investimentos externos. Afinal, essa seria a forma mais eficaz de sublimação interativa do Brasil, com ao mercado internacional, com um nível de protagonismo jamais visto nos últimos quatro anos que antecederam a 2023.
​Enfim, por diversas formas, inegável é que este país voltou a pontuar no concerto das nações mais poderosas do planeta. E a modernização do seu sistema tributário, além de impor imprescindíveis ajustes internos, de rebalanceamento de seu modelo federativo, pode favorecer o estabelecimento de um espaço de atração de pesados investimentos internacionais em setores tecnológicos de ponta, como a produção de energias renováveis e de baixa emissão de carbono.
​ Assim, a reforma tributária cuja construção está em curso no Congresso Nacional, posto que não represente nem de longe o que seria ideal, constitui um grande avanço na superestrutura do Estado brasileiro que o capacita a se ombrear às economias mais poderosas do planeta. Sim, também pela reforma tributária que ousou fazer, sonho de muitas décadas que, aliás, não é expressão de um governo, de um partido, de um governante, mas, do conjunto das forças politicas da nação, para além dos diversos credos políticos e ideológicos.
​Bem a propósito, o ex-presidente Jair Bolsonaro chamou para si uma derrota que efetivamente não deveria ter, quando se opôs e conclamou aos deputados federais do PL a votar contra a PEC da reforma tributária ao argumento tosco de que ela seria a “reforma do PT”, apesar da evidência de que isto não era verdadeiro, porquanto majoritariamente amplos setores do empresariado, inclusive do agro, defendiam a reforma. Resumo da opera: dos 382 votos que aprovaram a reforma tributária, no segundo turno, 20 parlamentares votaram contra a orientação (raivosa) do presidente “de honra” do PL, inclusive, o indefectível deputado Tiririca.
​Em suma, fosse do PT – ou de qualquer partido social-democrata genuíno – a reforma tributária imporia uma ‘mordida’ mais severa nos ganhos dos muitos ricos, sobretudo, na casta que aufere ricos dividendos empresariais não tributáveis. E isto não aconteceu na justa medida que deveria.
​Enfim, ademais de todas as dificuldades e contradições que possa ensejar, a reforma tributária a ser materializada no curto, médio e longo prazos, como a reforma possível, certamente imporá um padrão de relacionamento Estado/Cidadão cada vez mais distante (e sadio) do que o traçado pela já vetusta “Constituição Cidadã” de 1988. O Brasil avança. E voltou.

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O triz de Lula

* Por Paulo Afonso Linhares
Na política, um comportamento recorrente de perdedores e despeitados de variados gêneros é construir argumentos que, embora não expliquem, tendem a menosprezar os efeitos das derrotas eleitorais, sobretudo, com utilização de falácias matemáticas de redução danos. Aliás, não é outra coisa o que têm feito segmentos importantes da imprensa conservadora brasileira, em especial quando dizem que Lula ganhou para Bolsonaro por pequena margem, mormente quando adotam números relativos, grandezas expressas em percentuais.
A partir desse ferramental, é possível construir uma canhestra alegoria de que “Lula ganhou por pouco” ou que a sociedade brasileira está perigosamente dividida. E esse argumento de que Lula ganhou por pouco tem o condão de retirar a legitimidade de sua vitória. Ora, a democracia nada mais é do que uma regra básica de que prevalece a decisão da maioria. Rigorosamente, o candidato que obtém um mísero voto a mais que seu adversário estria eleito. É a famosa regra da maioria que, nas sociedades contemporâneas, formata a concepção mesma de democracia,
O governo Lula seria ilegítimo porque superou seu adversário em reduzido percentual? Nada. Com efeito, 2.139.645 foi a maioria que Lula obteve sobre Bolsonaro, nas urnas. Todavia, bolsonaristas e gente de extrema-direita busca minimizar essa verdade numérica. E dizem que Lula venceu por pouco o seu adversário Bolsonaro. Sim, depois de patrocinar os maiores abusos de poder político e econômico em eleições presidenciais, sobretudo, com a liberação de bilhões de reais para caminhoneiros e taxistas, os primeiros uma faixa típica de eleitorado bolsonarista, além das mudanças eleitoreiras no programa Auxílio Brasil, Bolsonaro apenas esboçou, com muito sucesso, uma tática eleitoral de redução de danos: teria perdido por cerca de dez pontos percentuais de maioria – mais de 20 milhões de votos -, não fossem as trampolinagens de seus aliados do Centrão, mormente o senador Ciro Nogueira (PP-PI), então ministro-chefe da Casa Civil da presidência da República e, em especial, o supremo executor do orçamento federal, deputado Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados.
Fato é que ganhou corpo nas redações de veículos de comunicação e, em especial, no pantanoso terreno das redes sociais que Lula venceu “por um triz” a eleição presidencial no segundo turno. O mais grave é que essa “narrativa” teve acolhimento até em segmentos da mídia progressista, sendo despiciendo notar que tradicionais veículos de comunicação de cariz conservador utilizaram até à exaustão essa bobagem da “pequena” maioria de Lula sobre Bolsonaro, no segundo turno das eleições presidenciais.
Claro, se os resultados da eleição presidencial de 2022 forem vistos apenas em termos percentuais, a maioria de Lula (que obteve 50,90% dos votos válidos) sobre Bolsonaro (com 49,10% dos votos válidos) parece como pequena margem (com 1,8% de maioria), porém, nas eleições democráticas a regra válida é meramente uma operação aritmética de soma, segundo o princípio do “one man, one vote” (“um homem, um voto”), do Direito Eleitoral norte-americano. Percentual serve para expressar os resultados de pesquisas de opinião em eleições. O resultado de um pleito eleitoral, todavia, se traduz sempre em números naturais que, em linguagem matemática, são números inteiros positivos que se agrupam num conjunto chamado de N, composto de ilimitados elementos. Simples assim.
Ora, a maioria que Lula obteve sobre Bolsonaro supera numericamente o eleitorado que efetivamente votou na maioria dos Estados da Federação e Distrito Federal. Por exemplo, no Rio Grande do Norte, os votos válidos somaram 2.038.166, o que é inferior à maioria obtida por Lula sobre Bolsonaro. Assim, como postulado eleitoral, é válido afirmar que Lula venceu Bolsonaro por mais de um Rio Grande do Norte de dianteira, considerando-se os números finais da eleição presidencial de 2022.
Então, Lula venceu “por um triz”? Que é um “triz”? A acepção da palavra em grego (τριχός [trikhós] = pelo, cabelo) originou “um fio de cabelo” em português, algo que significa pequena diferença, um pouquinho, um átimo. Então, Lula venceu por diminuta maioria. Não. Com os seus 60.345.999 votos obteve um Rio Grande do Norte a mais que os 58.206.354 atribuídos a Jair Bolsonaro. E Lula não venceu “por um fio de cabelo”, “por um triz”, como dizem.
Então, vamos parar com essa bobagem falaciosa das eleições de 2022: a democracia, ao contrário que muitos propalam, não é nada sacrossanto, mas, apenas uma boa regra de aferição do consenso em grupos humanos, aliás, orientada por uma ética do consentimento. Nela, a regra fundamental é que a maioria vence, independentemente se por um ou por milhões de voto. Claro, o candidato que obtém, num pleito majoritário, uma votação bem superior ao seu adversário, assume o cargo com uma legitimação equivalente. Portanto, embora vencer uma eleição com apenas um voto de maioria seja legítimo, certamente provoca sentimento de não aceitação do resultado, derivando pedidos de recontagem de votos e até, em atitude extremada, partir para o uso da violência de um golpe de Estado.
No entanto, nas eleições de 2022, neste Brasilsão de enormes contrastes, 2.139.645 de votos obtidos por Lula a mais do que seu oponente, na eleição presidencial, afiguram-se como legitimadoras do processo eleitoral tão bem conduzido pelo Tribunal Superior Eleitoral. E não foi apenas uma vitória por mísero triz.

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PAULO AFONSO LINHARES é doutor em Direito, advogado, professor universitário aposentado e diretor-presidente da Rádio Difusora de Mossoró.

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Foto: Ricardo Stuckert.

De raras finezas

* Por Paulo Afonso Linhares.

 

Depois de residir por quase uma década em Brasília, onde exercia a profissão de motorista de ônibus urbanos, meu irmão José Afonso, recentemente falecido, e esposa Maria José, fizeram o caminho de volta para Mossoró, com a família aumentada em mais quatro filhos, dois meninos e duas meninas. Como não poderia ser de outra maneira, logo que retornou saiu à cata de emprego. Com o seu currículo estampado na própria Carteira de Trabalho e Previdência Social, a famosa CTPS tão importante para os trabalhadores, ela exibia várias anotações de contratos de trabalho como motorista de ônibus. E não foi difícil conseguir um emprego semelhante, porém, com remuneração bem inferior, de salário-mínimo. Começou logo a trabalhar e chamado ao Departamento de Pessoal lhe foi pedida a CTPS para anotações do contrato de trabalho. Inopinadamente ele recusou-se a entregar tal documento, para maior surpresa do patrão e outros empregados. Expôs o motivo, exagerado como sempre: “não quero manchar a minha carteira com esse salário mixuruca! ” E continuou por algum tempo no emprego, porém, “sem ser fichado na carteira”, em linguagem popular. Esse episódio me veio à mente com a notícia de que, finalmente, o escritor, poeta e compositor de MPB, Francisco Buarque de Hollanda, iria receber o “Prêmio Camões”, que lhe fora outorgado em 2019, das mãos dos presidentes da República do Brasil e de Portugal, respectivamente, Luiz Inácio Lula da Silva e Marcelo Rebelo de Sousa. Maior honraria literária que se confere a autores lusófonos, o “Camões”, pelos Governos de Portugal e do Brasil, em 1988, no objetivo de fortalecer os laços culturais entre os diversos países de fala camoniana e, por via de consequência, o enriquecimento do patrimônio literário e cultural da Língua Portuguesa. Desde a sua primeira edição, em 1989, esse significativo prêmio literário teve 34 laureados, a começar com o escritor Miguel Torga e passando pelos poetas, o brasileiro João Cabral de Melo Neto, o moçambicano José Craveirinha, o romancista luso Virgílio Ferreira, a romancista e memorialista brasileira Rachel de Queiroz, seguindo por Jorge Amado e o Nobel de Literatura, José Saramago, além de vários nomes da literatura de língua Portuguesa, criteriosamente escolhidos por um júri de 6 membros, dos quais o Brasil indica 2 e Portugal 2, sendo os outros 2 indicados pelos governos de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. Aliás, pela qualidade dos agraciados, percebe-se quão criteriosas têm sido suas as escolhas. Aliás, o mesmo não se pode dizer acerca do Prêmio Nobel de Literatura, conferido pela Fundação que leva o nome de seu instituidor, o empresário e cientista sueco Alfred Nobel, cuja grande contribuição, no campo da Química, foi ter inventado a dinamite em suas diversas variante, além dos acessórios dessa que passou a ser uma grande ferramenta para a engenharia, mas, também, com pernicioso uso militar, registrando 355 patentes e acumulando enorme fortuna através de 90 fábricas de produtos químicos espalhadas pelo mundo. O Nobel de Literatura tem-se notabilizado mais pelas enormes injustiças que acumula ano a ano, olvidando olimpicamente uma enorme plêiade de gênios da literatura universal, em especial os do chamado Terceiro Mundo, a exemplo do Brasil que jamais emplacou um dos seus, embora o pequeno Chile tenha cravado dois (os poetas Gabriela Mistral e Pablo Neruda). O prêmio Camões consiste em vultosa quantia pecuniária paga paritariamente pelos dois países instituidores e fixada anualmente por eles – atualmente é de 100.000 euros -, além de um diploma firmado pelos dois chefes de Estado. E foi aí que deu “B.O.” quando Chico Buarque foi escolhido. Com efeito, seria muito difícil uma escolha melhor, dada a sua brilhante atuação em vários domínios artísticos, seja na música, na poesia, no romance e no teatro. Brilhante numas e mediano noutras, contudo, jamais medíocre em qualquer delas: o chefe de Estado brasileiro à época, Jair Bolsonaro, cismou e se recusou a outorgar o diploma e liberar a quantia que cabia ao Brasil, tudo alimentado por ridículo, bolorento e mendaz ranço ideológico somente cabível no círculo do reacionarismo autoritário de raízes nazifascistas que reúne a truculenta extrema-direita rediviva, nestas últimas duas décadas, nestas terras de Pindorama. Na relação entre dois Estados soberanos acerca de um tema, se um não quer, o outro se aquieta; “não rola” como se diz em linguagem de hoje. Assim, o Estado português manteve-se em obsequioso silêncio, por amor da liturgia político-diplomática, algo que jamais passou pela diminuta cabeça de Jair Bolsonaro. Por seu turno, o grande Chico Buarque, patrimônio intangível da civilização lusófona, manteve “cool”, pois, sábio, sabia que enquanto o mundo gira a Lusitana roda… E não a se referir àquele meio bobo anúncio comercial tão conhecido nos dois lado do velho Atlântico, mas, como a História é caprichosa e faz imanente o tão bem traduz trecho da apreciada canção de Geraldo Vandré: “Marinheiro, marinheiro/ Quero ver você no mar/ eu também sou marinheiro/ Eu também sei governar/ Madeira de dar em doido/ Vai descer até quebrar/ É a volta do cipó de aroeira/ No lombo de quem mandou dar/ É a volta do cipó de aroeira/No lombo de quem mandou dar”. Sim, chega o ano de 2022. Eleições (quase) gerais no Brasil. Preso injustamente por um juiz parcial e incompetente, mancomunado procuradores federais de igual índole, apedrejado por uma súcia raivosa, na imprensa, redes sociais ou fora delas, sobretudo, perseguido pelo governo Bolsonaro, que se revelou como um dos mais corruptos da história republicana, sobretudo por montar uma megamáquina de distribuir verbas públicas de um tal “orçamento secreto”, que ao fim e ao cabo financiou as eleições de parlamentares e governadores ligados a Jair Bolsonaro, cuja candidatura ganhou, por esses enormes abusos dos poderes econômico e político, ao absoluto arrepio da legislação pátria. Apesar de tudo, faltaram mais de dois milhões de votos a Bolsonaro e Lula venceu. Enfim, foi mesmo “…a volta do cipó de aroeira/No lombo de quem mandou dar”. Envergando a faixa presidencial e com amplo apoio da sociedade brasileira, maior ainda do que os 51 milhões de eleitores que sufragaram a sua eleição, Lula tenta reconstruir, interna e externamente, a imagem do Brasil. É bem verdade que, nalguns momentos de empolgação ou de irrefletido improviso, tem dado alguns escorregos o que, todavia, não compromete o conjunto das realizações político-administrativas encetadas nestes mais de cem dias de governo. Entre tantas coisas já realizadas e antes prometidas, o presidente Lula abraçou como propósito pessoal o desagravo ao laureado Chico Buarque e ao Estado português, pela inadmissível e gratuita desfeita perpetrada não apenas em face destes, mas, dos milhões de cidadãos cuja língua-mãe é o português de Camões. E foi bonita a festa, pá: no belíssimo Palácio Nacional de Queluz, em Sintra, berço de tantos reis e rainhas lusitanos, inclusive do fundador do Estado brasileiro, Dom Pedro I. Enfim, a desfeita foi redimida nos belos discursos dos chefes de Estado dos países outorgantes da honraria, porém, mais belas foram as palavras e singela a oração de Chico Buarque, da qual, por imposição de espaço e de estilo, cito o mais significativo, quando ele lembra que, após quatro anos de espera, afirmou que, “…no que se refere ao meu país, quatro anos de um governo funesto duraram uma eternidade, porque foi um tempo em que o tempo parecia andar para trás. Aquele governo foi derrotado nas urnas, mas nem por isso podemos nos distrair, pois a ameaça fascista persiste, no Brasil como um pouco por toda parte. Hoje, porém, nesta tarde de celebração, reconforta-me lembrar que o ex-presidente teve a rara fineza de não sujar o diploma do meu Prêmio Camões, deixando seu espaço em branco para a assinatura do nosso presidente Lula. Recebo este prêmio menos como uma honraria pessoal, e mais como um desagravo a tantos autores e artistas brasileiros humilhados e ofendidos nesses últimos anos de estupidez e obscurantismo”.

Que dizer disso? Inteligência puríssima e líquida, adornada de refinado humor. No íntimo foi bom, imagina Chico, que Bolsonaro, aboletado na curul presidencial a comer franco com farofa esparramada pelo bucho abaixo, tenha cismado em não assinar o diploma e liberar o valor pecuniário que caberia ao Brasil, no “Camões”, embora, na arguta visão do literato agraciado, apenas o Bozo“…teve a rara fineza de não sujar o diploma do meu Prêmio Camões, deixando seu espaço em branco para a assinatura do nosso presidente Lula. ” Induvidoso que a emoção mais legítima fê-lo esquecer que a fineza do troglodita Bolsonaro não é tão rara assim: mais fineza teve ele quando, batido nas urnas e choramingando como um meninozinho de má índole, resolveu não transmitir a faixa presidencial ao empossado presidente Lula, que aproveitou o muxoxo do Jair para subir a rampa do Palácio do Planalto, pela terceira vez, todavia, dessa feita, acompanhado de uma expressiva representação do povo brasileiro, inclusive o vetusto cacique Raoni, tudo em imagens de rara beleza levadas ao mundo. Raríssima fineza, mestre Chico, foi também o Ogro da Cloroquina não sujar a faixa presidencial que simboliza a magistratura suprema do Estado brasileiro, para usar o linguajar de Cícero em tempos e glórias idos no mundo republicano na velha Roma. Nas monarquias, o chefe de Estado, rei, imperador, czar ou sultão, geralmente usa um cetro e uma coroa como representativos do seu poder. Já nas repúblicas, a materialização desse poder fixa-se numa estreita faixa de pano, geralmente pintada com as cores nacionais e adornada pelo brasão de armas. Algo assim bem singelo, sem ouro nem prata ou de outros finos metais e pedra preciosas. No dia seguinte celebrar-se-ia a Revolução do Cravos, de 25 de abril de 1974, que arrancou a nação portuguesas das garras de uma sanguinária ditadura protofascista de 42 anos, sobre a qual Chico Buarque, a quem o próprio Luiz Vaz de Camões ou Fernando Pessoa, os dois maiores vates das terras lusitanas, gostariam de chamar “irmão”, escreveu belíssima canção, no trecho em que vaticina: “Sei que há léguas a nos separar/ Tanto mar, tanto mar/ Sei, também, quanto é preciso, pá/ Navegar, navegar/ Canta primavera, pá/ Cá estou carente/ Manda novamente/ Algum cheirinho de alecrim”. E o “cheirinho de alecrim” somente chegou por aqui em 1988, quando dada à luz a Constituição Cidadã que encerrou, cá também, as trevas de mais de duas décadas de sangue, suor, desespero e lágrimas. Agora, ao perceber o ex-presidente Bolsonaro a (quase) vislumbrar o sol nascer quadrado pelas tantas piruetas que aprontou, certamente Chico Buarque, com um belo diploma debaixo do braço e 100 mil euros no bolso, vai cantarolando pelas ladeiras da velha Lisboa: “…… Quando chegar o momento, esse meu sofrimento/ Vou cobrar com juros, juro/ Todo esse amor reprimido, esse grito contido/ Este samba no escuro/ Você que inventou a tristeza/ Ora, tenha a fineza de desinventar/ Você vai pagar e é dobrado/ Cada lágrima rolada nesse meu penar”.

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PAULO AFONSO LINHARES é doutor em Direito, advogado, professor universitário aposentado e diretor-presidente da Rádio Difusora de Mossoró.

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Foto: PATRICIA DE MELO MOREIRA/AFP.

Francisco, o vermelho?

Paulo Afonso Linhares *
Caíram como uma bomba de muitos megatons, na comunidade mundial, as declarações do Papa Francisco, sumo pontífice da Igreja Católica Apostólica Romana, gravadas em Roma no 31 de março passado, dadas a um canal de comunicação argentino, o C5N, que o presidente Lula foi condenado sem provas e que a ex-presidente Dilma Rousseff, que fora alvo de um impeachment em 2016, tem as “mãos limpas”.
Gostando ou não de Dilma Rousseff e do presidente Lula, fato é que as declarações pontifícias seguramente têm um propósito altruístico que transcende os limites de um opinamento apressado e leviano lançado ao vento. O maior líder religioso de mundo de hoje jamais faria uma declaração graciosa, sobretudo, quando os agraciados são figuras políticas que exerceram e um deles ora exerce o cargo de presidente da República Federativa do Brasil, mesmo porque de há muito – quatro séculos talvez – a Igreja cuja pedra angular foi Pedro, apóstolo, cada vez mais se desprende da secularização e caminha para uma espiritualidade fulcrada no Evangelho cristão, ou seja, mais a Igreja primitiva dos primeiros tempos, os das catacumbas romanas, e menos Igreja dos palácios, do imperador Constantino, das riquezas e do poder temporal, que duraram cerca de 18 séculos, até a monumental guinada ocorrida com a publicação da Encíclica “Rerum Novarum”: sobre a condição dos operários do mundo, escrita pelo Papa Leão XIII, em 15 de maio de 1891 e que inspirou, quatro décadas após, fosse dada a lume outra importante Carta Encíclica, a Quadragesimo Anno, do Papa Pio XI, de 15 de maio de 1931 (no quadragésimo aniversário da Rerum Novarum), em que foi lançada uma reorganização das sociedades baseada na Lei Evangélica e, sobretudo, repudiava os regimes políticos autocráticos, à direita ou à esquerda. Outros documentos papais e movimentos ocorridos até os dias atuais, no seio dessa instituição de dois milênios, têm corrigido rumos e levado o catolicismo a patamares de superação de erros e enormes equívocos.
A inesperada ascensão de um latino-americano ao papado, com a eleição do argentino Jorge Bergoglio trouxe um enorme alento aos católicos do mundo inteiro e não apenas pela circunstância de que foi o primeiro pontífice não europeu em mais de 1.200 anos (o último havia sido o sírio Gregório III, falecido no ano 741) e também o primeiro papa pertencente à notável ordem religiosa Companhia de Jesus (em latim: Societas Iesu, S. J.), cujos membros são conhecidos como jesuítas, fundada em 1534 por um grupo de estudados da Universidade de Paris, tendo à frente o basco Íñigo López de Loyola, conhecido posteriormente como Santo Inácio de Loyola e que, reconhecidamente, deu enorme contribuição quando da colonização portuguesa no Brasil quinhentista, a exemplo dos padres Antônio Vieira, José de Anchieta e Manoel da Nóbrega, de fortes pendores humanísticos na defesas dos povos originários, ditos “índios”, bem na trilha do frade dominicano espanhol Bartolomé de las Casas (1484-1566), cronista, teólogo, político e jurista que, na condição de “procurador de los índios” denunciou, em memoráveis escritos, as aberrações da colonização espanhola nas Américas e Caribe, com genocídios e massivas destruição de bens culturais.
O jesuíta papa Francisco, um típico e vigoroso “miles Christi” (“soldados de Cristo”, segundo se definiam Santo Inácio de Loyola e seus companheiros), todavia, é uma ardoroso defensor da paz e, principalmente, do exacerbado amor ao próximo que é o mandamento que condensa, segundo palavras do próprio Jesus Cristo, todos os outros mandamentos revelados ao profeta Moisés no Monte Sinai. O mais grave é que Francisco, que escolheu esse nome papal inspirado em São Francisco de Assis (“Il poverello de Assisi”), tudo para enfatizar sua enorme solidariedade humana.
Grande e definitiva inspiração naquele que mostrou à dourada Igreja de Roma, o então dissoluto Giovanni di Pietro di Bernardone, o verdadeiro e único caminho do amor ao próximo, seguindo as palavras daquele Cristo barroco da pequena e semi-destruída igreja da São Damião: um Francisco despojado de vícios materiais, mas, disposto a reconstruir a Igreja cuja construção legara Jesus a Pedro, o pescador.
Todo este remonte histórico – sintético para caber nas médias sociais – se faz necessário para mostrar que o papa Francisco, “il poverello di Buenos Aires”, é a poderosa voz que nos ensina o caminho do amor ao próximo, acima de qualquer reles preconceito cultural, racial ou de gênero. Enfim, como já ensinava o poeta latino Terêncio: “Homo sum, humani nihil a me alienum puto”. “Homem sou, nada da humanidade me é indiferente”, numa tradução livre do latim.
Por isto, o pasmo por algumas mentes toldadas de ideologias malsãs diante das assertivas do papa Francisco, sobre a prisão injusta do presidente Lula e o impeachment da ex-presidente Dilma. Chamá-lo de “vermelho”, de “comunista” ou outra bobagem do gênero é olvidar toda uma trajetória de superação pessoal e de amor ao próximo, acima de todas as coisas. Coisa de gente idiota. Vermelho mesmo, apenas algumas desprezíveis peças de seu vestuário. No geral, veste branco e pensa em todas as cores das possibilidades humanas.
O papa Francisco está certo e diz coisas, boas, sensatas e verdadeiras. No limite, pois, estou com o papa Francisco, até porque, desde sempre, em ultimíssima análise, prefiro acreditar piamente, nesse caso, no dogma da “infalibilidade papal”. E viva o papa Francisco, vigário de Cristo e suave pastor de todos nós. Acredito.

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PAULO AFONSO LINHARES é doutor em Direito, advogado, professor universitário aposentado e diretor-presidente da Rádio Difusora de Mossoró.

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